Adélia Prado – Flores
A boa-noite floriu suas flores grandes,
parecendo saia branca.
Se eu tocasse um piano elas dançavam.
Fica tão bom o mundo assim com elas,
que nem me desprezo por querer um marido.
Perfumam à noite.
A gaita de um menino que nunca morreu
toca erradinho e doce.
Eu cumpro alegremente minhas obrigações paroquiais
e não canso de esperar;
mais hoje, mais amanhã, qualquer coisa esplêndida
[acontece:
as cinco chagas, o disco voador, o poeta com seu cavalo
relinchando na minha porta.
Desejava tanto tomar bênção de pai e mãe,
juntar uns pios, umas nesgas de tarde,
um balançado de tudo que balança no vento
e tocar na flauta. É tão bom
que nem ligo que Deus não me conceda
ser bonita e jovem
— um dos desejos mais fundos da minha alma.
“O Espírito de Deus pairava sobre as águas…”
Sobre o meu, pairam estas flores
e sou mais forte que o tempo.
Adélia Prado, O Coração Disparado