O dia em sua metade
e o calor do corpo ainda não me deixou.
Ele estava em minha casa e ia comer conosco.
Enquanto a mãe cozinhava,
esgueirou-se e disse no meu ouvido:
Quero falar com você.
Vamos até ali, respondi abrasada,
medrosa de que alguém nos visse.
Chegara com um frango depenado
— o que não me abalava o enlevo —
como se me testasse:
A quem não ama seu corpo,
sua alma lhe fecha a porta.
Ai, que meu pai não me visse assim tão ofegante
e estumasse seu nariz perdigueiro
à cica que me entranhava.
O sonho acabou aqui, onde estou até agora
ardente e virgem.
Adélia Prado, Poesia reunida
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