Em certas manhãs desrezo:
a vida humana é muito miserável.
Um pequeno desencaixe nos ossinhos
faz minha espinha doer.
Sinto necessidade de bradar a Deus.
Ele está escondido, mas responde curto:
‘brim coringa não encolhe’.
E eu entendo comprido
e comovente esforço da humanidade
que faz roupa nova para ir na festa,
o prato esmaltado onde ela ama comer,
um prato fundo verde imenso mar cheio de estórias.
A vida humana é muito miserável.
‘Brim coringa não encolhe’?
Meu coração também não.
Quando em certas manhãs desrezo
é por esquecimento,
só por desatenção.
Adélia Prado, O coração Disparado
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