Pus um ponto final no poema
e comecei a lambê-lo a ponto de devorá-lo.
Pensamentos estranhos me tomaram:
numa bandeja de prata
uma comida de areia,
um livro com meu nome
sem uma palavra minha.
O medo pode explodir-nos,
é com zelo de quem leva sua cruz
que o carregamos.
Por isso, Deus, Vossa justiça é Jesus,
o Cordeiro que abandonastes.
Assim, quem ao menos se atreve
a levantar os olhos para Vós?
O capim cresce à revelia de mim,
não há esforço no cosmos,
tudo segue a si mesmo,
como eu agora fazendo o que sei fazer
desde que vim ao mundo.
Sou inocente,
pois nem este grito é meu.
Adélia Prado, Poesia reunida
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