Minhas fantasias eróticas, sei agora,
eram fantasias de céu.
Eu pensava que sexo era a noite inteira
e só de manhãzinha os corpos despediam-se.
Para mim veio muito tarde
a revelação de que não somos anjos.
O rei tem uma paixão — dizem à boca pequena —,
regozijo-me imaginando sua voz,
sua mão desvencilhando da fronte a pesada coroa:
‘Vem cá, há muito tempo não vejo uns olhos castanhos,
tenho estado em guerras…’
O rei desataviado,
com seu sexo eriçável mas contido,
pertinaz como eu em produzir com voz,
mão e olhos quase extáticos um vinho,
um sumo roxo, acre, meio doce,
embriaguez de um passeio entre as estrelas.
À voz apaixonada mais inclino os ouvidos,
aos pulsares, buracos negros no peito,
rápidos desmaios,
onde esta coisa pagã aparece luminescente:
com ervas de folhas redondinhas
um negro faz comida à beira do precipício.
À beira do sono, à beira do que não explico
brilha uma luz. E de afoita esperança
o salto do meu sapato no meio-fio
bate que bate.
Adélia Prado, Poesia reunida
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