Ela descalçou os chinelos
e os arrumou juntinhos
antes de pôr a cabeça nos trilhos
em cima do pontilhão,
debaixo do qual passava um veio d’água
que as lavadeiras amavam.
O barulho do baque com o barulho do trem.
Foi só quando a água principiou a tingir
a roupa branca que dona Dica enxaguava
que ela deu o alarme
da coisa horrível caída perto de si.
Eu cheguei mais tarde e assim vi para sempre:
a cabeleira preta,
um rosto delicado,
do pescoço a água nascendo ainda alaranjada,
os olhos belamente fechados.
O cantor das multidões cantava no rádio:
“Aço frio de um punhal foi teu adeus pra mim”.
Adélia Prado, O coração disparado
1 Comment
Valeria Capucci da Silveira
13/08/2020 at 10:28sim amei Adélia sempre trabalhando com o lírico,ela busca o porque olhando para o céu neste período que ela passa olhando para o céu…Poesia é uma forma de buscar o sentimento que cada ser humano tem dentro dele.