Não te voltes demasiado para ti mesma
Não te feches no castelo das lucubrações infinitas
Das recordações e sonhos que podias ter vivido
Vem comigo África de calças de fantasia
desçamos à rua
e dancemos a dança fatigante dos homens
o batuque simples das lavadeiras
ouçamos o tam-tam angustioso
enquanto os corvos vigiam os vivos
esperando que se tornem cadáveres
vem comigo África dos palcos acidentais
descobrir o mundo real
onde os milhões se irmanam na mesma miséria
atrás das fachadas de democracia de cristianismo de igualdade
Vem comigo África de colchões de molas
e reentremos na casinha de latas esquecidas no musseque da Boavista
até onde já nos empurram
ao nos quebrarem as casas de meia água de Cayette
e à volta de fogo consolador das nossas aspirações mais justas
examinaremos a injustiça inoculada no sistema vivo em que giramos.
Vem comigo África de colchões de esmola
regressemos à nossa África
onde temos um pedaço da nossa carne calcado sob as botas dos magala
– a nossa África
Vem comigo África do jitterburg
até a terra até o homem até o fundo de nós
ver quando de ti e de mim faltou
quanto da África esqueceu
e morreu na nossa pele mal coberta sob o fato emprestado
pelo mais miserável dos ex-fidalgos
Não chores África dos que partiram
olhemos claros para os ombros encurvados do povo que desce a calçada
negro negro de miséria negro de frustração negro de ânsia
e dêmos-lhes o coração
entreguemo-nos
através da fome da prostituição das cubatas esfuracadas
das chanfalhadas dos cipaios
através dos muros das prisões através da Grande Injustiça
Ninguém nos fará calar
Ninguém nos poderá impedir
O sorriso dos nossos lábios não é agradecimento pela morte
com quem nos matam.
Vamos com toda a Humanidade
Conquistar o nosso mundo e a nossa Paz.
Agostinho Neto, Sagrada esperança
1 Comentário
Aldair Macha
29/01/2024 at 18:50Poema para curar a Alma