Vem às vezes sentar-se ao pé de mim
— A noite desce, desfolhando as rosas —
Vem ter comigo, às horas duvidosas,
Uma visão, com asas de cetim…
Pousa de leve a delicada mão
— Rescende aroma a noite sossegada —
Pousa a mão compassiva e perfumada
Sobre o meu dolorido coração…
E diz-me essa visão compadecida
— Há suspiros no espaço vaporoso —
Diz-me: Porque é que choras silencioso?
Porque é tão erma e triste a tua vida?
Vem comigo! Embalado nos meus braços
— Na noite funda há um silêncio santo —
Num sonho feito só de luz e encanto
Transporás a dormir esses espaços…
Porque eu habito a região distante
— A noite exala uma doçura infinda —
Onde ainda se crê e se ama ainda,
Onde uma aurora igual brilha constante…
Habito ali, e tu virás comigo
— Palpita a noite num clarão que ofusca —
Porque eu venho de longe, em tua busca,
Trazer-te paz e alívio, pobre amigo…
Assim me fala essa visão nocturna
— No vago espaço há vozes dolorosas —
São as suas palavras carinhosas
Água correndo em cristalina urna…
Mas eu escuto-a imóvel, sonolento
— A noite verte um desconsolo imenso —
Sinto nos membros como um chumbo denso,
E mudo e tenebroso o pensamento…
Fito-a, num pasmo doloroso absorto
— A noite é erma como campa enorme —
Fito-a com olhos turvos de quem dorme
E respondo: Bem sabes que estou morto!
Antero de Quental, Sonetos completos