Exigem novas leis que os olhos não se alegrem
quando as folhas das árvores lhes acenam;
quando o lagarto ao Sol o erótico pescoço,
erecto e circulante
como um radar,
transforma as ondas mansas
em lúbricas tensões.
Não mais murmúrios de águas nem aromas de pinhos
que os ouvidos antigos recolhiam
e os narizes hauriam sequiosos
como exaustores de fumos;
não mais abrir os olhos e fechá-los
sob a língua da luz lambendo morna
o convexo das pálpebras;
não mais levitação do corpo no silêncio,
o porte da doninha na iminência
do que nunca acontece.
Pois que sejam meus olhos que ao fecharem-se
levem consigo a imagem derradeira
da fragrância poética do mundo;
que em meu rosto bafeje o ultimo hálito
das magas transparências inventadas;
que nele roce a última das aves,
de benévolas asas estendidas
que em construídos céus nos redimiram
da frágil condição de ser humano;
que as últimas mensagens
dos emissores piratas, clandestinos algures
no fundo dos cristais,
no pistilo das flores,
nas escamas dos peixes,
encontrem meus ouvidos.
Que a terra me seja leve.
António Gedeão, Poemas póstumos
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