sonho
que estou tentando
tanto
fazer uma coisa
mas outras coisas
me atrapalham
— desvios, falhas, enganos,
obstáculos
espetaculares, perigos
de morte, lapsos
de memória, acidentes,
catástrofes, pormenores
irrelevantes, pessoas
que desaparecem
ou se transformam
em outras ou
surgem repentinamente
como se já estivessem ali
há muito tempo,
ou se perderam
e esperam
que alguém (eu,
é claro)
as leve
de volta
ao caminho —
e me afasto da meta
que persigo
flecha
cada vez mais longe
do arco
e do alvo
quando então
do alto
do teto
caio
no colchão
do quarto
em que desperto
Sísifo
dissidente
do círculo
eternamente
incompleto.
Arnaldo Antunes, Agora aqui ninguém precisa de si
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