Audre Lorde

Audre Lorde – Uma mulher / Lamento para crianças perdidas

Despertar
rumores da necessidade de sua morte
se espalham pelos lampejos que gritam persistentes
na luz da manhã
eu deito
sabendo que já passou a hora do sacrifício
e eu queimo
feito a língua faminta de um fogo ocre
feito uma bendição de fúria
lançada pela palma da mão
da deusa do trovão
abrindo as dobras da terra com um dedo minucioso
eu produzo
uma gota de sangue
que eu sei de súbito
perdida.
Um homem nomeou
a si mesmo
guardião legal de fetos.
Séculos de crianças perdidas
guerreadas e prostituídas e massacradas
me ungem guardiã
da vida.
Mas na luz primeira
outro sacrifício é feito
sem questionamento
uma pequena forma escura escorre
um declive montanhoso
arrastando sua trilha de sangue perdido
até o chão
estou quebrada
em fendas de gritos
que soam como a mineração cintilante
em ar matutino traiçoeiro
nas calçadas assassinas
eu estou curvada
para sempre
limpando o sangue
que devia ser
você.

Audre Lorde, Entre nós mesma: poemas reunidos – Tradução, Tatiana Nascimento, Valéria Lima

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