1
Quando ela se afogou e a boiar foi descendo
Dos córregos para os rios mais caudalosos,
Brilhava o céu de opala tão maravilhoso
Qual se devesse recompensar o cadáver.
2
Sargaços e algas iam-na enleando,
De modo que ela aos poucos ficava com mais peso.
Frios os peixes nadavam-lhe pelas pernas,
Plantas e bichos faziam-lhe ainda mais lenta a última viagem.
3
E o céu da tarde era escuro feito fumaça
Retendo à noite o brilho das estréias sobre o horizonte.
Mas cedo alvoreceu, a fim de que também
Manhã e tarde houvesse para ela.
4
Quando seu corpo branco apodreceu nas águas,
Aconteceu (bem devagar) que Deus foi-a esquecendo:
Primeiro o rosto, as mãos depois e por fim os cabelos.
Então ela passou a ser no rio uma carniça igual a tantas outras.
Bertolt Brecht, Poemas e canções