Um cantador de viola
fazendo verso rimado,
toicim de porco torrado
numa velha caçarola,
um cego pedindo esmola,
lamentando o seu destino,
é só mais um Severino
que não tem o que comer.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.
As conversas de calçada,
os causos de assombração,
em riba de um caminhão
a mudança inesperada,
galinha bem temperada
sem usar tempero fino,
quebranto forte em menino
pra benzedeira benzer.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.
Banho de chuva na biqueira,
dindim de coco queimado,
menino dependurado
nos braços de uma parteira,
manicure faladeira,
o gado magro e mofino,
novenas para o divino,
pedidos para chover.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.
Pracinhas pra namorar
sem pular nenhuma etapa,
cachaça no bar da tapa,
cantadores pra rimar,
um forrozim pra dançar,
que também é nosso hino,
quer dançar, eu lhe ensino
até o suor descer.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.
Quando a gente olha pro alto
consegue enxergar a lua,
caminhar no mêi da rua
sem ter medo de assalto,
um terreiro sem asfalto,
sem concreto clandestino,
um açude cristalino,
um cheiro no bem querê.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.
Uma porca parideira
com uns doze bacurim,
gente boa e gente ruim,
zoada no fim de feira,
arapuca, baladeira,
o chapéu de Virgulino,
na bodega de Firmino
tem de tudo pra vender.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.
Um bebo toma uma cana,
cospe no pé do balcão,
a luz de um lampião
ilumina uma cabana,
uma penca de banana
na casa de Marcolino,
pirão grosso e caldo fino
pra mode o cabra comer.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.
Uma velha na janela
reclamando de uma dor,
casinhas de toda cor
azul, verde, amarela,
um pé de seriguela
no quintal de Marcelino,
no Mobral, Seu Jesuíno
aprendendo a escrever.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.
Tem milho verde cozido,
castanha feita na brasa,
no oitão da minha casa,
um bebo véi estendido,
na outra esquina, perdido,
mais um bebo, um dançarino,
igreja tocando o sino
no final do entardecer.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.
O gibão de um vaqueiro
que é sua armadura,
engenho de rapadura
pega-pega no terreiro,
um barrão lá no chiqueiro
pra quem é chique, um suíno,
o caminhão de Faustino
cheio de manga pra vender.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.
São milhões de pensamentos
que não saem da cabeça,
e antes que eu me esqueça
registro esses momentos
com poesia e sentimentos
desde os tempos de menino,
talvez fosse o meu destino
nascido pra escrever
aquilo que faz bater
um coração nordestino.
Bráulio Bessa, Poesia que transforma