Bráulio Bessa – O drama do tamborete
Eu nunca enfeitei castelos
na corte da realeza,
tenho pouco acabamento,
sem detalhe, sem chiqueza,
sou entroncado e baixinho,
meu inventor foi mesquinho
e não caprichou em mim.
Nunca vou me conformar
e sempre vou perguntar:
por que me fizeram assim?
Quatro pernas bem fornidas,
assento de pau, de couro,
de tecido trabalhado,
compensado cor de ouro,
assento bem assentado,
pregado, bem martelado,
mas pra riba nem um braço.
Resta a mim ser paciente,
sou móvel deficiente,
não posso dar um abraço.
Em mim ninguém se escora,
porque senão cai pra trás,
não se espicha, não se deita,
não tira um cochilo em paz.
Se eu fosse uma preguiçosa,
macia, grande e formosa
de tecidinho xadrez.
Ah, se um dia o carpinteiro
me desmanchasse inteiro
e eu nascesse outra vez.
Nascesse cama, poltrona,
nascesse talvez cadeira.
É triste ser tamborete,
o mais barato da feira.
Não sirvo pra balançar,
muito menos pra enfeitar
a sala de uma casa.
Tô sempre aqui na cozinha
escondido, só na minha,
feito um pássaro sem asa.
O povo se trepa em mim
pra ir onde não alcança.
Às vezes sou esquecido
no caminhão da mudança.
Quando é dia de calor
carrego um ventilador
e o vento nem bate “neu”,
refresca o criado-mudo,
fí duma égua sortudo
desde o dia em que nasceu.
Vou aguentando bufa,
peido xoxo, peido azedo,
peido alto, peido baixo.
Digo e não peço segredo
que é triste o meu lamento,
vivendo nesse tormento
será trágico o meu fim.
Peido vai e peido vem,
não demora pra alguém
cagar em cima de mim.
Bráulio Bessa, Um carinho na alma