Bráulio Bessa – Vira-lata
Já era tarde da noite
eu avistei lá na rua
um cachorro bem franzino
coberto só pela lua.
Faminto, usando as patas
ele revirava latas
em busca de alimento,
um animal indigente
condenado inocente
a viver no sofrimento.
Seguiu caminhando torto
vagando pelas calçadas
se defendendo de chutes
desviando de pedradas.
Até que um bom senhor
num gesto de puro amor
lhe disse: “Vamos pra casa!”
E eu garanto a vocês
que foi a primeira vez
que eu vi um anjo sem asa.
Porém, antes de levá-lo,
o homem deu uma lição
quando abraçou o cachorro
lhe implorando perdão
em nome do ser humano
tão cruel, tão leviano,
de bondade tão escassa.
Ah, se o homem mudasse,
se nossa raça chegasse
aos pés da sua raça.
A raça que se divide
pra multiplicar amor
nascido de uma ninhada
de todo tipo de cor
que tem em sua linhagem
o pedigree da coragem
da luta, da resistência,
isso sim é raça pura
pois quanto mais se mistura,
mais forte é a sua essência.
O senhor ainda disse
pra quem não compreendeu:
“Quer saber que raça é essa?
Repare o que ele sofreu.
Os medos que superou,
cada dor que suportou
mesmo sem ferir ninguém
punido por ser mistura
mas no fundo raça pura
o homem também não tem.”
Todo homem é vira-lata
pois vive desde menino
levando chutes da vida
e pedradas do destino
que muitas vezes sem dono
passa medo, perde o sono
precisando de um amigo.
O tempo lhe envelhece
o mundo às vezes lhe esquece
e vai parar num abrigo.
Todo mundo ali ouvindo
o que o senhor dizia
e ele disse: “Vira lata,
vira amor, vira alegria,
pelo menos um segundo
vire a alma desse mundo
ao avesso, como a sua.
O homem melhoraria
talvez até cresceria
se virasse um cão de rua.”
Bráulio Bessa, Poesia que transforma