Adelaide pega o baralho
vamos fazer um jogo
hoje eu vou ficar em casa
lá fora nada de novo
Senta perto da janela
como o mundo anda depressa
Vamos, eu dou as cartas
e você começa.
Que grito é esse lá fora?
A rua tremendo de medo
Um tiro, um morto na rua…
Já fez canastra, tão cedo?
mas tem curinga, tá suja
(mas se suja é a própria vida).
Com que direito alguém força
e controla, e manda, e rege, e mata, e marca, deixa ferida
Do rei eu não preciso
nem sei qual carta me serve
(nem sei de outra vida) só intuo outra forma
mais pura. Que o mundo está doente, está com febre.
Pronto. Peguei o morto
(e o da rua?) o mundo tem tantas calçadas
tem até congestionamento. Ih, Adelaide
este morto não tá bom, só tem cartas erradas
E o valete não me veio
e eu tinha esperado tanto
e eu choro, Adelaide, e o sangue cobre as ruas da cidade
do mundo vermelho de espanto.
E o valete não me veio
Cobre esta paisagem com as cores da delicadeza
cobre a morte, a dor, a miséria, a violência.
Tinge. Adelaide, o ás é mesa?
Eu compro. Quem compra tem (sociedade de consumo)
graças à propaganda e à Santa Comunicação
o povo anda em rebanho
(e presta tanta atenção)
que se afoga na mesma onda (onda de transmissão)
se mata com a mesma arma
e obedece sem reação
E eu vou fazer esta trinca, que assim faço mais pontos
Se eu desse o 7 você bem que ficava contente
Mas que máquina, que matemática, que temática
é essa, o que foi que fizeram com a gente?
Porque será que aquele homem quis matar o presidente
(que presidente?) Presidente de quê? se neste país
somos todos adultos. Foi isso que fizeram com a gente
Adelaide, somos todos adultos…
Bateu, mas logo agora
que eu comprei toda essa mesa…
Acende a luz. Fecha a cortina
que esse cinza me dá tristeza
e que tá tão frio aqui.
Vamos contar os pontos
Acabou.
Adelaide. Perdi.
Bruna Lombardi, Poesia Reunida
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