O cárcere que os ingleses
chamam “Ilha do Diabo”
flutua por doze meses
no úmido lençol do charco
que enrola, envolve, circunda
os muros de “Dartmoor”;
lá o Inverno é uma segunda
camada de cinza escura
por cima do cobertor
de névoa e padecimento
que vai descascando a cor
do rosto, da dor, do tempo
em que o mundo tinha céu.
Mais de um forçado lá morre
sufocado pelo véu
quase líquido em que o forte
dissolve primeiro os músculos
e pouco depois a pleura,
os pulmões, como os crepúsculos
desmancham a luz à beira
das cruzes que formam as grades.
Mais de um acesso de tosse
levou às proximidades
senão aos braços da morte
uma daquelas figuras
que lá chegam como estátuas
soberbas, sólidas, duras,
mas que, desfeitas, exaustas
de tossir contra um céu frio,
deixam-se enrolar sem luta
num pergaminho vazio,
como simples garatuja…
Minha estátua não tossia,
ou nunca tossia em público;
deu-me um susto quando um dia
cobriu a cara e de súbito
sacudiu-se, convulsivo,
sem um som que confessasse
o verdadeiro motivo
do acesso infame… Que arte,
que engenho meu pode vir
a dar conta, aqui, do esforço
que fez para não tossir
em público aquele moço?
Aquele duro novelo
sufocar-se-ia antes,
se preciso! Pude vê-lo
rolar e enrolar-se, grande,
pesado como um cavalo,
e maleável no entanto
como a rolha num gargalo…
Desenrolara-se quando
o acesso tinha passado,
ou tinha sido engolido
como uma rolha, coitado.
Uma estátua de granito
levantou-se enfim do chão
fosca como um céu cinzento;
retomou seu cantochão:
“Como lhe estava dizendo…”
Bruno Tolentino, A balada do cárcere
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