Bruno Tolentino – O pavão

Por lá o Outono chega anunciado
pelos gritos agudos do pavão
dilacerando o ar; é só então
que se percebe o dardo
vindo da sombra, o arpão
da última luz nas folhas de um para o outro lado.

O outro lado das sombras que se estiram no chão
como mais um bordado
da Penélope* fria que tece a escuridão.
Pobre animal! Começa o baile temporão
e ele o anuncia aos gritos, seu leque depenado
pluma por pluma na penúltima estação…

Quando acabar de se fechar a mão
que a luz cadente estende ao povoado
das sombras que não vão
a parte alguma, o último emblema do Verão
irá ciscar sozinho, como que envergonhado,
nas agulhas caídas do pinheiral gelado.

É por isso, por causa da desaparição
de um Estio tão breve num bailado
tão rápido, é por isso que o pavão
trespassa o ar, grito por grito apaixonado,
e a reverberação
da luz nas folhas se parece tanto a um dardo.

 

Bruno Tolentino, A balada do carcere