há tanto tempo envolvido comigo mesmo, com o que me navega
sob a pele, patinando pelas paredes que me encerram sem fim nem
começo
há tanto tempo comigo circulando por mim adentro, à beira desse
passo que não se quer dar para fora do vórtice de que provenho
há quanto tempo não me abro ou me descasco ou atravesso as poucas
camadas que contém meu derramamento implacável
há quanto tempo não beijo o beijo que agora beijo, esse movimento
que se desprende de mim e faz da
minha boca
o fim e o começo de mim, o fim e o começo da minha vida se
gravando na sua, ou da sua vida escorrendo pra dentro da minha,
um beijo que se alastra rasgando a geografia do meu corpo
que se abriga no seu corpo da efusão de desenhos que se
tatuam na minha fronte
um beijo que me arremessa contra cada um dos 32 espaços em que
se divide o caminho dos ventos que agora, sinto, terei de percorrer
nesse beijo que me desabriga, solidamente,
de qualquer fim e qualquer começo
Caio Meira, Romance
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