procuro pelo ípsilons e dáblius que cortaram nossos lábios,
pelos espaços de emes e enes e eles e esses que trançaram
um dia nossa línguas, procuro pelas vogais gravadas
na clareira do seu corpo, procuro pelo poema que se
desprendeu do abraço primeiro, do primeiro sorriso, do
beijo inicial agora perdido entre tantas letras desferidas
ao encontro um do outro. procuro por minha voz ainda
ecoando ou vibrando nos pavilhões dos seus ouvidos.
se minhas cordas vocais vibraram e emitiram palavras
no afã de indicar coisas, pessoas, ações ao
alcance ou distantes de mim, se chegamos até aqui
nos perguntando e nos respondendo,
sendo inquiridos por vozes as mais remotas,
procuro agora pelos limites ao meu redor em que você
possa gravitar, pelas órbitas de todas as coisas
que um dia brilharam ou recenderam à chuva nos
dias que atravessamos. procuro pela voz que materialize
minha respiração na sua boca, que seja o fluxo do
meu sangue batendo forte no seu peito. se estive
tantas vezes diante da sua mudez, se articulei
canhestramente sons que desfalecerem tão logo
pronunciados, procuro por pronúncia possível
para a palavra do nosso amor, o amor, o amor,
que resiste a morrer em minha vida
Caio Meira, Romance
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