Eu hoje gerei a solidão
em forma de uma criança chamada tristeza…
Eu a pari com ternura
e ela me presenteou com a dor…
Carreguei-a nas entranhas
e sussurrei palavras singelas
que a fizesse adormecer
e acalentasse os seus sonhos…
E a criança quieta
foi crescendo e absorvendo
os tormentos da minha alma
e descosturando a teia da razão…
Pari na eternidade
a criança da dor
que escorre suas lágrimas
no batismo da redenção…
Ela cresceu nos pregos
entalados na garganta da cruz
e hoje reza aos céus
sua estadia nos infernos…
A criança gerada
na angústia da trilha
buscadora de si
e andarilha do outro…
Mendiga do perdão
amante da punição
concubina do coração
e prostituta da emoção…
A criança anda pelos labirintos
calcando suas entregas
pelos caminhos do calvário
que respiram seus espinhos…
E ela se infla de escárnio
e faz amor com a frieza
da aspereza da saudade
que a pisoteia nas tempestades…
Pobre criança faminta!
Sua busca não tem fim!
Gerada na pestilência do acalanto
e mergulhada na orgia da fragrância…
Hoje encontra-se só
No meio do vendaval…
Nascida da solidão
no parto da ternura…
Carla Torrini, Livro os heterônimos da dor