Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade – Caça Noturna

No escuro
o zumbido gigante do besouro
corrói os cristais do sono.
Que avião é esse, levando para Teerã
uma amizade um amor um bloco de oitenta indiferenças
que não acaba de passar e circunvoa
sobre a casa perdida na floresta
imobiliária?

Vai o ouvido apurando
na trama do rumor suas nervuras:
inseto múltiplo reunido
para compor o zanzineio surdo
circular opressivo
zunzin de mil zonzons zoando em meio
à pasta de calor
da noite em branco.
São as eletrobombas em serviço.
A música da seca.
Pickup que não para de girar.
Gato que não cansa de roncar.
Ah, como os conheço!
Fazem parte da vida esses possantes
motores de tocaia
na caça lunar de água, lebre esquiva
sugada
por um canal de desespero e insônia.

Que gemido crilado, apenas zi,
tímido se incorpora ao zon compacto?
Que vozinha medrosa mais suspira
do que zoa, no côncavo noturno?
O motorzinho do poeta,
pobre galgo da casa,
1/4 de hp, caçando em vão.

Carlos Drummond de Andrade, Lição de Coisas

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