Claro que o corpo não é feito só para sofrer,
mas para sofrer e gozar.
Na inocência do sofrimento
como na inocência do gozo,
o corpo se realiza, vulnerável
e solene.
Salve, meu corpo, minha estrutura de viver
e de cumprir os ritos do existir!
Amo tuas imperfeições e maravilhas,
amo-as com gratidão, pena e raiva intercadentes.
Em ti me sinto dividido, campo de batalha
sem vitória para nenhum lado
e sofro e sou feliz
na medida do que acaso me ofereças.
Será mesmo acaso,
será lei divina ou dragonária
que me parte e reparte em pedacinhos?
Meu corpo, minha dor,
meu prazer e transcendência,
és afinal meu ser inteiro e único.
Carlos Drummond de Andrade, Farewell