Carlos Drummond de Andrade – Papinho lírico no dia dos namorados

Dá licença?
Quer ser seu namorado a vida inteira
pois tenho uma reserva imensa
de ternurinhas e meninice arteira.

Quero brincar como nos primeiros dias
de namoreco sem declaração.
Curtir as pequeninas alegrias
como quem não quer nada de novo não
(mas quer,
pois o homem não é mais simples que a mulher).

Pegar, é claro, nos teus dedos
só para ver como reagem
e, achando graça nos teus falsos medos,
murmurar: Coragem!

Fingir que me esqueci do combinado
no parque, para ver se sentes falta
de mim
e surgir da moita de capim,
com a minha calva luzidia e alta,
dizendo: Que desgraçado!
Mas você por aqui, meu alfenim?

Ou me esconder atrás da porta,
miando que nem gato,
e continuar miando, já reconhecido,
a fazer o estranhíssimo relato
de que uma fada torta
me transformou num bicho assim todo encolhido.

Que te dar bombons, e logo após
– o lalá! ora veja! –
pedir que me passes a cereja
de boca a boca: é mais gostosa
se a trincarmos a sós
enquanto os dedos vão tecendo
uma carícia lenta e silenciosa,
e tão eletrizantes que vó vendo.

Y otras cositas más que nem te conto.
ó minha sempre namorada,
mas decerto adivinhas este conto,
o mesmo de antes e a cada hora diferente
assim como é a gente
que se ama de antigo amor presente
e não se cansa e nem se vai cansar
de um certo suaviardente, antigo e encantador
namoramor.

Carlos Drummond de Andrade, Poesia Errante