As formigas não nos enxergam,
não nos querem enxergar.
Não querem ir além de sua viseira
ou das lapidadas órbitas.
Endurecem, endurecem a cerviz
e carregam o tempo
maior do que elas.
Ver seria fugir do círculo.
Mas vivem circulares.
Cumprem fainas, cilíndricos
horários. Trancadas entre si.
Maquinam a nação separatista,
longe da plebe. Ou dissidentes,
se alistam nas fileiras
da república.
Um segredo exercitam, sob
a toca. Seria o próprio
e inevitável círculo?
O trabalho, linguagem cifrada,
inaudita. Conversam as formigas
(escutamos) o senso tenro
do milho e os pés viveiros.
Circulam, funcionárias
junto às repartições de terra
antiga e os capins álgidos.
Não nos enxergam, não
nos querem conhecer.
Cabalam a noite e depois,
sisudas, empedernidas,
cabalam o amanhecer.
De casta superior aos pobres
e nocivos homens, não
cumprimentam. Não
cumprimentarão nunca.
Guardam o segredo
de nossas perguntas.
Guardam o que elas,
as formigas, só
as formigas sabem.
Carlos Nejar, Os viventes
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