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Affonso Romano de Sant´anna

Affonso Romano de Sant´anna

Affonso Romano de Sant´anna – Procura antiga

Affonso Romano de Sant´anna

Perdi qualquer coisa ali
entre o século onze ou dezesseis, não sei.
Qualquer coisa entre aqueles reis e servos
qualquer coisa entre a nobreza e os parvos
comensais à mesa
qualquer coisa entre as pedras de Siena
e as pernas das princesas de Viena.
Por isto procuro procuro procuro
entre
quadros portulanos estatuetas tapetes pianos
porcelanas cristais
e enternecidas madonas
como a cinderela o seu sapato perdido
na meia-noite da festa
e o maestro a semifusa confusa
que caiu no fosso da orquestra.

Procuro algo nas gretas
dos monumentos no musgo
do sofrimento no desejo
dos conventos e traças
dos documentos.

O que procuro não sei. Mas sei
que essa procura
me organiza o sofrimento.

Affonso Romano de Sant´anna, Textamentos

Affonso Romano de Sant´anna

Affonso Romano de Sant´anna – Textamento

Affonso Romano de Sant´anna

Minha mãe teve dúvidas
se eu deveria nascer ou não.
Pensou em me abortar.
Nasci. E, de alguma maneira, dei certo.
Cedo aprendi com os animais domésticos
e com os legumes da horta

que a morte é estranhamente cotidiana.
Amei, sim, amei
na medida de meu descompassado desejo.
E já ia envelhecendo
quando aprendi a me comunicar com os cães.

Não posso me queixar.
Vencidas as dificuldades iniciais,
os limites do quintal, a inveja
e os jogos na boca da noite,
descobri modos de me expressar.
Algumas palavras íntimas
tornaram-se públicas
e nisto encontrei satisfação.


Affonso Romano de Sant´anna, Textamentos

Affonso Romano de Sant´anna

Affonso Romano de Sant´anna – Palavras e paisagens

Affonso Romano de Sant´anna

Há certas palavras pelas quais passo frequentemente
sem lhes conhecer o sentido verdadeiro.

Nunca fui ao dicionário
conhecer as formas polifacéticas de seu ser.

São como pessoas que por mim passam
ou que frequentam nossa paisagem.
Não nos aprofundamos em conhecê-las.
Basta o colorido de suas vestes
e a sonoridade de seus nomes.

Não se pode esgotar o dicionário
ou amar completamente

– tudo o que encontramos.

 

Affonso Romano de Sant´anna – Textamentos