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Alice Sant ́Anna

Alice Sant ́Anna

Alice Sant ́Anna – Os medos

Alice Sant ́Anna

os medos dependem da idade
mas também da classe social e da origem
medo de mosquito da dengue por exemplo
é um medo recente
rivane neuenschwander coleciona medos
relatados por crianças cariocas
e percebe que alguns
são recorrentes entre os menores
como de insetos e de répteis e de animais
selvagens ou inventados
já os medos das crianças um pouco mais velhas
são mais elaborados
como medo de ficar só
ou de ser esquecido ou de os pais morrerem
ou se separarem
numa cidade como o rio
é natural que o medo seja
de tiro e bandido e polícia
de estupro e assassinato
há medos que vêm de dentro
e outros que nos ensinam a ter
um palhaço assustador que apareceu na tevê
a foto de um tubarão com três mil dentes
a escuridão do espaço sideral
aprender a dar nome ao medo
não afasta o medo mas talvez ajude
a conviver com ele
melhor seria afugentar o leão
ou aprender a vigiá-lo de perto?

Alice Sant ́Anna, Acrobata

Alice Sant ́Anna

Alice Sant’Anna – Desenhava tudo o que via

Alice Sant ́Anna

desenhava tudo o que via
com uma estranha compulsão
passava cinco, seis horas na frente
de um quadro, uma maçaneta, um pastel de nata
completamente absorto
sacava do bolso o lápis
corria para rabiscar, depois anotava
a data ao lado, a rua, nada
se perdia no caderno
enquanto isso eu aflita queria repetir
o gesto, documentar tudo, dizer do gosto
da canela no pastel de nata
do primeiro dia azul de lisboa
mas não escrevia e com pressa para registrar
me tornava burocrática
no diário: hoje fomos de trem, estava quente

Alice Sant ́Anna

Alice Sant’Anna – Os primos

Alice Sant ́Anna

era número 48 a casa amarela
uma escadinha e uma árvore
bem pequena na varanda
que de vez em quando dava jabuticaba
tão mirrada que nem em faz de conta a gente
sentia gosto de fruta
todo dia era dezembro na rua
miguel pereira mesmo quando chovia mesmo
naquele dia do tombo
de patinete o meu grito ecoando
e o seu espanto até quando a gente
discordava da cor de certas tardes ou quando
aprendeu junto a deslizar nas bicicletas
alguma coisa sempre escurecia
de noite uma vontade de ficar um pouco mais
os carros dos pais que chegavam
como besouros lentos e gordos
os carros que não deviam
não podiam

Alice Sant’Anna, Rabo de baleia

Alice Sant ́Anna

Alice Sant ́Anna – O postal que Clara me alcançou

Alice Sant ́Anna

quando os helicópteros rondavam o prédio
duas da manhã e todos dormiam
apenas o zumbir das hélices
festejava a chegada
do céu iluminado de hong kong
que numa foto noturna se coloriu
de arranha-céus ansiosos pela vinda do ferry boat
que abarcaria depois de uma passagem
lenta, tranquila
diferentemente da sirene que embala
o sono dos moradores do meu bairro
clara não conseguiria entender
o rumor das hélices, seriam abelhas
de um país tropical?
ou outro inseto, talvez mais robusto?
como explicar o voo para clara?

Alice Sant ́Anna, Rabo de baleia

Alice Sant ́Anna

Alice Sant´anna – O postal de clara me alcançou

Alice Sant ́Anna

quando os helicópteros rondavam o prédio
duas da manhã e todos dormiam
apenas o zumbir das hélices
festejava a chegada
do céu iluminado de hong kong
que numa foto noturna se coloriu
de arranha-céus ansiosos pela vinda do ferry boat
que abarcaria depois de uma passagem
lenta, tranquila
diferentemente da sirene que embala
o sono dos moradores do meu bairro
clara não conseguiria entender
o rumor das hélices, seriam abelhas
de um país tropical?
ou outro inseto, talvez mais robusto?
como explicar o voo para clara?

 

Alice Sant´anna – Rabo de baleia

Alice Sant ́Anna

Alice Sant ́Anna – Um enorme rabo de baleia

Alice Sant ́Anna

cruzaria a sala neste momento
sem barulho algum o bicho
afundaria nas tábuas corridas
e sumiria sem que percebêssemos
no sofá a falta de assunto
o que eu queria mas não te conto
era abraçar a baleia mergulhar com ela
sinto um tédio pavoroso desses dias
de água parada acumulando mosquito
apesar da agitação dos dias
da exaustão dos dias
o corpo que chega exausto em casa
com a mão esticada em busca
de um copo d’água
a urgência de seguir para uma terça
ou quarta boia, e a vontade
é de abraçar um enorme
rabo de baleia seguir com ela

 

Alice Sant´anna, Rabo de baleia

Alice Sant ́Anna

Alice Sant ́Anna – A Noite um Bloco

Alice Sant ́Anna

de madeira pintado de preto
fecha os olhos e tenta se aproximar
perceber seu tamanho, profundidade
se tem cheiro se é maciço
sem porta para entrar ou sair
o modo como a luz bate
suave, meia-luz, a mínima
necessária para se ver o bloco
se não fosse por ela o bloco
mal existiria, seria tudo um mesmo escuro
sem contorno entre montanha
seus pés e meio-fio, o bloco
cabe no seu quarto em cima da cama
ainda sobra algum espaço nas laterais
uma nesga de lençol, mas não
o suficiente para caber
ela também

Alice Sant ́Anna, Rabo de Baleia

Alice Sant ́Anna

Alice Sant ́anna – Rabo de Baleia

Alice Sant ́Anna

cruzaria a sala neste momento
sem barulho algum o bicho
afundaria nas tábuas corridas
e sumiria sem que percebêssemos
no sofá a falta de assunto
o que eu queria mas não te conto
era abraçar a baleia mergulhar com ela
sinto um tédio pavoroso desses dias
de água parada acumulando mosquito
apesar da agitação dos dias
da exaustão dos dias
o corpo que chega exausto em casa
com a mão esticada em busca
de um copo d’água
a urgência de seguir para uma terça
ou quarta boia, e a vontade
é de abraçar um enorme
rabo de baleia seguir com ela

Alice Sant´anna, Rabo de Baleia