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Ana Carolina

Ana Carolina

Ana Carolina – Sonho

ana carolina

Sonho com um peixe humano me dizendo oi e fujo por
entre as catracas do metrô Faço um aceno à minha avó
Ainda viva, sorri pra mim Chego em Juiz de Fora Subo a Braz
Bernardino até a Rio Branco Abro a porta de um prédio,
meu psicanalista é o porteiro Me pergunta onde eu vou Digo que vou até a minha infância
Ele avisa a minha infância que estou subindo Abro a porta do elevador, o ascensorista
é meu pai Nada me pergunta Ele aperta um andar e eu vou
com ele, quieta Chegamos no andar, ele abre a porta e em
seguida desaparece Vejo uma sala vazia com 2 homens
conversando na janela Quando me aproximo deles, serão
meus filhos e me abraçam

Ana Carolina, Ruído Branco

Ana Carolina

Ana Carolina – Eu e eu

ana carolina

Ele me segue com o pensamento
como se de lá de dentro avistasse minha aflição
Procura uma fraqueza qualquer em mim
Escuta meu silêncio entrecortado
como se eu falasse atrás de uma porta fechada
Adivinha minha dor
que às vezes pareço merecer
como se nela houvesse um olho mágico
com o qual ele me enxerga bem melhor do que eu mesma
Ele é um radar
Ele está num estágio de mim mais avançado que eu
Ele é o outro aqui dentro
que às vezes fica me relando até o pau endurecer
embaixo das cobertas
O homem que há em mim
se apaixonou perdidamente pela mulher que sou

Ana Carolina, Ruídos branco

Ana Carolina

Ana Carolina – Ausência

ana carolina

O vizinho me olha da janela em frente.
Abro mais ainda as cortinas e vou pra dentro. Pra que ele veja com clareza a minha ausência.
Me escondo.
Fico no corredor. Parada. Encostada na parede. Inerte.
Os pés frios.
Basta uma virada de pescoço e já posso ver o vizinho de novo, mas agora já são 2 na janela me olhando.
Volto o rosto para o corredor. Não me mexo. Fico paralisada do pescoço pra baixo. Pareço estar nessa posição há anos.
Estou envelhecendo junto à infiltração na parede.
À minha volta, deve haver um campo minado. Basta um passo errado para que eu, a parede e os 2 que me vigiam explodam.
Olho de novo e agora são 3. 2 homens e 1 mulher na janela.
Me viro rápido pra que eles não me vejam, mas eles me veem mesmo assim.
Por que me olham?
Eu não pretendo nada.
Estou como quem ergue um castelo de baralho e o derruba depois de colocar a última carta.
Não tenho gestos, nem finalidade.

Ana Carolina, Ruído Branco

Ana Carolina

Ana Carolina – Não leiam

ana carolina

Não nasci em Montreux Não me chamo Nicolas Behr Não pretendo lançar um livro até o fim do ano Não gosto de todos os tipos de música Não sou poeta, não sou marginal, nem poeta marginal Não existem versões francesas de músicas minhas Não imito ninguém Nunca fiz promessa pra Santo Antonio Nunca realizei um estudo científico no laboratório de Los Alamos Nunca visitei a biblioteca de fitas no centro de computação de Feynman Não fiz uma viagem romântica até o Havaí com a Beyoncé Eu não introduzi a soja chinesa no país Eu não me convidei para um ménage Eu não recusei um convite por medo de decepcionar duas ou mais pessoas de uma vez Eu não contratei um dublê pro meu filme Não sou capricórnio, sou virgem Nunca atirei uma pedra num lago calmo José Luís Peixoto nunca fez uma poesia pra mim Não abri um bar nas margens do rio Tevere Nunca fui a Istambul Nana Caymmi nunca cantou uma música minha Não sou mãe Não me responsabilizo por nada que faço Nunca sei o que querem de mim de verdade Não baixei o aplicativo Color Effects Não sigo Justin Bieber no Twitter Não leiam isso

Ana Carolina, Ruído branco