Lembrar que
enquanto andamos
por estas ruas banais
sob um céu inestrelado
templos brancos como ossos
repousam entre oliveiras
quase igualmente antigas
uma mulher desfaz
sobre a nudez noturna
sua trança pesada
um pequeno lama
cabeceia de sono
e há leões e laranjas
falcões e hangares
anêmonas e zinco
um bando de antílopes
atravessa um pedaço de terra
como este
deixando-o depois
vazio de sinais
em silêncio um homem prepara
menos comida do que ontem
um a um
partem os barcos
de passeio
chove intensamente
sobre teleféricos
uma mulher vê
a cidade acender-se
à medida que anoitece
e para acalmar-se
conta as janelas
iluminadas
arrumam-se armários
roupas de pessoas mortas
envelhecem também
os automóveis
e as máquinas agrícolas
com uma rede veloz
recolhem-se do mar
peixes luminosos
que então serão deixados
afogando-se
na areia
alguém conhece
pela primeira vez
a enguia, o sexo, a escrita
pensar que devemos estar
à altura
disso
Ana Martins Marques, Risque esta palavra