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António Botto

António Botto

António Botto – Não. Beijemo-nos apenas

António Botto

Não. Beijemo-nos, apenas,
Nesta agonia da tarde.

Guarda –
Para outro momento
Teu viril corpo trigueiro.

O meu desejo não arde
E a convivência contigo
Modificou-me – sou outro. . .

A névoa da noite cai.

Já mal distingo a cor fulva
Dos teus cabelos. – És lindo!

A morte
Devia ser
Uma vaga fantasia!

Dá-me o teu braço: – não ponhas
Esse desmaio na voz.
Sim, beijemo-nos, apenas!,
– Que mais precisamos nós?

António Botto, Canções e outros poemas

António Botto

António Botto – Quem não ama não vive

António Botto

Já na minha alma se apagam
As alegrias que eu tive;
Só quem ama tem tristezas,
Mas quem não ama não vive.

Andam pétalas e folhas
Bailando no ar sombrio;
E as lágrimas, dos meus olhos,
Vão correndo ao desafio.

Em tudo vejo Saudades!
A terra parece morta.
– Ó vento que tudo levas,
Não venhas á minha porta!

E as minhas rosas vermelhas,
As rosas, no meu jardim,
Parecem, assim caídas,
Restos de um grande festim!

Meu coração desgraçado,
Bebe ainda mais licor!
– Que importa morrer amando,
Que importa morrer d’amor!

E vem ouvir bem-amado
Senhor que eu nunca mais vi:
– Morro mas levo comigo
Alguma cousa de ti.

António Botto, Cem poemas para salvar a nossa vida

António Botto

António Botto – Quanto, quanto me queres?

António Botto

Quanto, quanto me queres? — perguntaste
Numa voz de lamento diluída;
E quando nos meus olhos demoraste
A luz dos teus senti a luz da vida.

Nas tuas mãos as minhas apertaste;
Lá fora da luz do Sol já combalida
Era um sorriso aberto num contraste
Com a sombra da posse proibida…

Beijámo-nos, então, a latejar
No infinito e pálido vaivém
Dos corpos que se entregam sem pensar…

Não perguntes, não sei — não sei dizer:
Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.

 

António Botto, Canções de António Botto

António Botto

António Botto – A beleza

António Botto

A beleza
Sempre foi
Um motivo secundário
No corpo que nós amamos;
A beleza não existe,
E quando existe não dura.
A beleza
Não é mais do que o desejo
Fremente
Que nos sacode…
– O resto, é literatura.

 

António Botto, As cancões de António Botto

António Botto

António Botto – Não me peças mais canções

António Botto

Não me peças mais canções
Porque a cantar vou sofrendo;
Sou como as velas do altar
Que dão luz e vão morrendo.
Se a minha voz conseguisse
Dissuadir essa frieza
E a tua boca sorrisse!
Mas sóbria por natureza
Não a posso renovar
E o brilho vai-se perdendo…
– Sou como as velas do altar
Que dão luz e vão morrendo.

 

António Botto, As canções de António Botto