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Bráulio Bessa

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – No derradeiro suspiro

bráulio Bessa

No trem que a morte conduz
todo mundo é passageiro.
Ninguém consegue fugir,
ninguém corre mais ligeiro.
E nessa breve viagem
é melhor ter na bagagem
pessoas do que dinheiro.

Se no final dessa vida,
pouco antes de morrer,
no derradeiro suspiro
você pudesse escolher:
segurar a mão de alguém
ou uma nota de cem.
Qual seria sua escolha?
A resposta é evidente,
pois gente que não tem gente
é planta que não tem folha.

Bráulio Bessa, Um Carinho na Alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – Pedaços de mim

bráulio Bessa

Vez por outra a vida bate,
e como ela tem batido…
Quando a pancada é de jeito
me vejo no chão, caído.
Nessa hora me refaço,
renasço em cada pedaço
daquilo que foi partido.

Sei que uma só semente
não faz brotar um jardim.
Talvez se despedaçar
nem seja assim tão ruim.
Se um de mim já é forte,
não há um mal que suporte
vários pedaços de mim.

Bráulio Bessa, Um carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – Coração nordestino

bráulio Bessa

Um cantador de viola
fazendo verso rimado,
toicim de porco torrado
numa velha caçarola,
um cego pedindo esmola,
lamentando o seu destino,
é só mais um Severino
que não tem o que comer.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.

As conversas de calçada,
os causos de assombração,
em riba de um caminhão
a mudança inesperada,
galinha bem temperada
sem usar tempero fino,
quebranto forte em menino
pra benzedeira benzer.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.

Banho de chuva na biqueira,
dindim de coco queimado,
menino dependurado
nos braços de uma parteira,
manicure faladeira,
o gado magro e mofino,
novenas para o divino,
pedidos para chover.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.

Pracinhas pra namorar
sem pular nenhuma etapa,
cachaça no bar da tapa,
cantadores pra rimar,
um forrozim pra dançar,
que também é nosso hino,
quer dançar, eu lhe ensino
até o suor descer.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.

Quando a gente olha pro alto
consegue enxergar a lua,
caminhar no mêi da rua
sem ter medo de assalto,
um terreiro sem asfalto,
sem concreto clandestino,
um açude cristalino,
um cheiro no bem querê.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.

Uma porca parideira
com uns doze bacurim,
gente boa e gente ruim,
zoada no fim de feira,
arapuca, baladeira,
o chapéu de Virgulino,
na bodega de Firmino
tem de tudo pra vender.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.

Um bebo toma uma cana,
cospe no pé do balcão,
a luz de um lampião
ilumina uma cabana,
uma penca de banana
na casa de Marcolino,
pirão grosso e caldo fino
pra mode o cabra comer.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.

Uma velha na janela
reclamando de uma dor,
casinhas de toda cor
azul, verde, amarela,
um pé de seriguela
no quintal de Marcelino,
no Mobral, Seu Jesuíno
aprendendo a escrever.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.

Tem milho verde cozido,
castanha feita na brasa,
no oitão da minha casa,
um bebo véi estendido,
na outra esquina, perdido,
mais um bebo, um dançarino,
igreja tocando o sino
no final do entardecer.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.

O gibão de um vaqueiro
que é sua armadura,
engenho de rapadura
pega-pega no terreiro,
um barrão lá no chiqueiro
pra quem é chique, um suíno,
o caminhão de Faustino
cheio de manga pra vender.
Tudo isso faz bater
um coração nordestino.

São milhões de pensamentos
que não saem da cabeça,
e antes que eu me esqueça
registro esses momentos
com poesia e sentimentos
desde os tempos de menino,
talvez fosse o meu destino
nascido pra escrever
aquilo que faz bater
um coração nordestino.

Bráulio Bessa, Poesia que transforma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – Perdão

bráulio Bessa

Perdoar não o faz fraco,
não lhe assalta a razão.
Torna livre quem perdoa
e quem lhe pediu perdão.
Um sopro de amor já quebra
as grades dessa prisão.

Toda raiva disparada
volta feito um bumerangue.
Por isso, perdoe antes
que seu coração se zangue.
Quem limpa dor com vingança
lava a ferida com sangue.


Bráulio Bessa, Um carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – Fome de educação

bráulio Bessa

Até quando o Brasil vai suportar
ver seu povo carente de saber,
tanta gente sem ler, sem escrever,
sem escola decente pra estudar,
pois até a merenda escolar
alimenta a tal corrupção.
Num lugar em que tudo dá no chão
na escola deveria ter fartura.
Um país desnutrido de leitura
só se salva comendo educação.

Se o Brasil começasse a dar valor
a quem nunca se sentiu valorizado
invertendo o que ganha um deputado
pela esmola que ganha um professor.
Pode até me chamar de sonhador
por sonhar que um dia essa nação
passará por uma transformação
e os livros serão a nossa cura.
Um país desnutrido de leitura
só se salva comendo educação.

Sobra tanta coragem pra lutar,
o que falta é oportunidade.
Sobra o sonho de entrar na faculdade
pela falta do dinheiro pra pagar.
Falta tudo pra quem vê tudo faltar,
sobra tudo pra quem tem tudo na mão.
Só não falta em tempo de eleição
blá-blá-blá, lenga-lenga e muita jura.
Um país desnutrido de leitura
só se salva comendo educação.

A caneta é capaz de transformar
e mudar o destino de um povo.
Quem viveu só comendo o puro ovo
pode um dia provar do caviar.
Já vi gente que, por ter como estudar,
se mudou do barraco pra mansão.
Batalhando com total dedicação
conseguiu ter a vida menos dura.
Um país desnutrido de leitura
só se salva comendo educação.

Esse povo que tem tanto pra dar
não recebe o que tem pra receber.
Não consigo aceitar ou entender,
ninguém venha querer me explicar.
Eu não posso e nem vou me conformar
com a cruz que carrega o cidadão
pelo peso dessa desinformação
castigado pela falta de cultura.
Um país desnutrido de leitura
só se salva comendo educação.

A nação que investe em sua gente
nunca tem desperdício ou prejuízo.
Observo atento e analiso:
só se muda agindo diferente.
O poder de um povo está na mente,
é a chave que abre essa prisão,
é a luz que aponta a direção
pra seguir por qualquer estrada escura.
Um país desnutrido de leitura
só se salva comendo educação.

Bráulio Bessa, Um carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – Aparências

bráulio Bessa

Não deixe sua visão
encoberta por um pano.
Quem repara só por fora
vive a vida num engano
porque o melhor do osso,
eu garanto, é o tutano.

Pra se conhecer um livro
é preciso abrir e ler,
escutar o que ele diz,
abrir os olhos pra ver
que olhando só pra capa
ninguém consegue entender.

Não é produto de marca
que define um cidadão.
Nunca julgue nessa vida
um homem de pés no chão,
pois sapato calça os pés
mas não calça o coração.

Nunca vi camisa cara
sozinha abraçar ninguém.
Quem abraça é quem tá dentro,
quem tá dentro faz o bem
abraçando com a alma
que tá lá dentro também.

Se eu avistar num prato
tapioca ou escargot
posso até sentir o cheiro,
posso até saber a cor,
mas é só dentro da boca
que vou sentir o sabor.

Quem é belo só por fora
por dentro não tem valor.
Já vi bonito odiando
e feio espalhando amor.
Já vi passarinho preso
cantando e sentindo dor.

Vi padre e pastor pecando
na calçada da igreja.
Já vi bêbado orando
no bar tomando cerveja.
Tem pica-pau que não pica,
tem beija-flor que não beija.

Tem gente com roupa suja
que ajuda a limpar o mundo.
Tem gente de terno limpo
que por dentro é um imundo.
Só se conhece o rio
se o mergulho for profundo.

Ninguém no mundo é igual,
é grande a variedade.
O corpo é só aparência,
a alma é identidade.
Beleza não tem padrão,
bonito é ser de verdade.

Bráulio Bessa, Um carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – A ferida

bráulio Bessa

Seu amor afiado fez um corte
em meu peito, arrancando o coração.
Só deixou o pulsar da solidão
e um bilhete dizendo “boa sorte”.
Nessa hora o desprezo bateu forte
ao saber que fui só um passatempo.
Se você foi um simples contratempo,
como posso curar essa ferida,
se tirar esse amor da minha vida
é a dor e a cura ao mesmo tempo?

Bráulio Bessa, Um carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – Um sorriso no rosto contagia

bráulio Bessa

Um sorriso no rosto contagia,
E enfeita muito mais que maquiagem
que depois de usar vem a lavagem
e a beleza se escorre pela pia.
Diferente da verdadeira alegria
que é obra de Deus, esse pintor
que enfeita nossa alma de amor,
muitas vezes paro, penso e analiso:
se o tempero pra vida ter mais sabor.

Charlie Chaplin, nosso gênio adorado
disse algo para o mundo refletir:
que um dia vivido sem sorrir
é de fato um dia desperdiçado.
Não precisa ficar mal-humorado,
Enfrentando um desafio ou uma dor,
o sorriso é sempre superior.
Como Chaplin, também deixo o meu aviso:
Se o tempero da vida é o sorriso,
Vou sorrindo pra vida ter mais sabor.

Sorrir tem um gosto bom,
sorrir é bom e faz bem.
Adoça e tempera a vida,
e a receita a gente tem:
é simples de começar,
basta você temperar
a sua vida também.

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – A lição que a morte deu

bráulio Bessa

Na fazenda Ave Maria
no ano de oitenta e três,
deu-se um fato muito triste
que hoje conto a vocês.
Duas mortes repentinas.
Fecharam-se as cortinas
da vida de dois viventes:
Zé Vaqueiro, o peão,
Doutor Cesar, o patrão,
dois seres tão diferentes.

Diferentes na carcaça
e também no interior.
O patrão cheio de ódio,
o peão cheio de amor.
Cada qual com seus valores,
seus sorrisos, suas dores
e suas convicções.
Enquanto isso no céu,
Deus anota num papel
seus gestos, suas ações.

O patrão, muito egoísta,
jamais repartia o pão.
Nasceu em berço de ouro,
nunca passou precisão,
não acudia indigente,
nem ajudava um doente
prostrado num hospital.
Cheio de hipocrisia
pedia à Virgem Maria:
– “Livrai-me de todo mal.”

Porém, missas e novenas
Doutor Cesar não perdia.
Batizou sua fazenda
em homenagem a Maria
por quem tinha devoção
e toda convicção
de que a santa preparava
o lugar dele no céu
sem taxa, sem aluguel,
na rua que ela morava.

Já Zé Vaqueiro era bom,
tinha uns quatro corações.
Deixava isso bem claro
na pureza das ações.
Ocupado na peleja,
nem ia tanto à igreja
mas só praticava o bem.
Era justo e generoso,
muitas vezes caridoso,
mesmo sem ter um vintém.

Tirava do próprio prato
mode dar a quem tem fome.
Ajudava a qualquer um
sem perguntar nem o nome.
Era muito judiado,
quase sempre injustiçado,
porém nunca reclamava.
Dizia que o sofrimento
era um teste, um treinamento
que Deus sempre lhe mandava.

Num dia comum da vida,
no Açude Juremal,
Doutor Cesar se banhava
e de repente passou mal.
– “Tô morrendo afogado!”,
gritou ele, agoniado,
na hora da precisão.
Zé correu pra lhe salvar
mesmo sem saber nadar.
Morreram Zé e o patrão.

E a morte sem critérios
deu seu golpe derradeiro,
roubou a vida de Zé
e a do cruel fazendeiro.
Ninguém foge do destino,
seja simples, seja fino,
seja o limpo ou o imundo,
esse encontro é garantido
e por mais bem escondido
ela encontra todo mundo.

No outro dia ocorreu
o cortejo do patrão.
Mais de dez quilos de flor
perfumando o caixão
de madeiras trabalhadas
com quatro alças douradas
pro defunto ostentar.
Ao redor, vinte babões
que trocavam empurrões
brigando pra carregar.

Mais de cem motos na frente,
cinquenta carros atrás…
gente a pé, gente a cavalo,
coroa, faixa e cartaz
prestigiando o doutor
que nunca espalhou amor,
mas juntou um mar de gente.
Se fosse um pobre lascado,
posso até tá enganado,
seria bem diferente.

No mesmo dia avistei
o fim de uma vida dura,
num caixão de compensado
doado na Prefeitura.
Pouca gente acompanhando,
dez vaqueiros aboiando
e a mãe rezando um terço.
O derradeiro momento
da vida de sofrimento
de Zé, que nasceu sem berço.

Num mundo tão desigual
inté na hora da morte
o bolso deixa bem claro
qual dos dois teve mais sorte.
A verdade é nua e crua:
o vil metal continua
mandando e desmandando.
Essa conta eu fiz ligeiro:
o que tinha mais dinheiro
deixou mais gente chorando.

Depois da viagem feita
pro mundo espiritual,
o lugar que deixa claro
quem é do bem ou do mal,
fica tudo evidente,
a justiça é transparente
e nunca é manipulada.
É a hora da verdade
em que toda a humanidade
um dia será testada.

Doutor Cesar acordou mal,
pingando suor na testa.
Já foi logo reclamando:
– “Eita calor da moléstia!
Devo estar no quarto errado,
não tem ar-condicionado,
nem TV, nem frigobar.
Cadê a Virgem Maria
pra mudar minha estadia
e me reposicionar?”

Nisso entrou um galegão,
jeitoso, de olho azul.
E disse: – “Prazer, doutor!
Eu me chamo Belzebu.
Eu que fiz o seu check-in,
pode reclamar de mim,
se tiver mais algum susto.
Aproveite a estadia
regada de agonia,
afinal, o cão é justo.”

O doutor, inconformado
por ir morar com o cão,
perguntou a Belzebu:
– “E cadê o meu peão?
Infeliz, nem me salvou,
nem pra isso ele prestou,
deve estar ardendo em brasa.
Me responda o que precisa
pra eu ir dar-lhe uma pisa.
Onde fica sua casa?”

O cão disse: – “Cabra burro,
morreu, mas não aprendeu
que Zé tinha um coração
bem diferente do seu.
Lá onde ele foi morar
a gente não pode entrar,
mas lhe mostro do portão
que vai dar pra você ver
e de longe conhecer
a casa do seu peão.”

A rua estava enfeitada
pois à noite tinha show,
e esse era especial
pois foi Deus que organizou.
O palco todo montado,
a luz e o som testado
pra grande apresentação.
O encontro de dois reis
tava marcado pras seis:
Elvis Presley e Gonzagão.

Lá na calçada do céu
a derradeira lição,
quando avistou Zé Vaqueiro
pelas brechas do portão.
Se balançando na rede,
batendo o pé na parede,
escutando cantoria,
sem se preocupar com nada,
merendando uma coalhada
feita por Virgem Maria.

Era uma casinha branca,
pequena, porém tão bela,
com flores de todo tipo
penduradas na janela.
Na frente tinha um terreiro
e numa placa o letreiro
dizendo: “Passe pra dentro!”
No quintal a plantação:
macaxeira, pimentão,
cheiro-verde e coentro.

Com pouco tempo chegou
Jesus Cristo num jumento.
E disse: – “Zé, meu irmão,
acabou seu sofrimento!”
Em seguida deu-lhe a bença
e disse: – “Lá na despensa
tem uma feira sortida
que dura a eternidade,
comprada pela bondade
que você pagou em vida.”

Nessa hora, Doutor Cesar
sentiu arrependimento,
dizendo: – “Eu quero morar
é nesse loteamento.”
O cão disse: – “O corretor
é Deus, o tal Salvador.
E olhando o seu extrato
uma coisa eu lhe garanto:
que aqui não é seu canto,
compre um lote mais barato.

Lá na rua da Tortura
tem um condomínio triste,
dos feios que têm por lá,
o mais feio que existe.
Não tem árvore nem flor,
mas eu garanto ao senhor
que dá pra você pagar.
Mora cão do mundo inteiro,
diz que Hitler é o porteiro,
é lá que tu vai morar!”

O doutor disse: – “Amigo,
sou um grande fazendeiro,
tenho terra em todo canto,
ouro, joias e dinheiro.
Sou letrado e tenho estudo,
mesmo assim eu troco tudo
por um barraco no céu.
O inferno é uma prisão,
não é lugar pra mim, não
que sempre fui tão fiel.”

O cão deu uma risada
e disse: – “Seu Doutorzim,
você diz que foi fiel,
porém foi fiel a mim.
Você nunca fez o bem,
jamais ajudou alguém,
e agora tá reclamando.
Avie, vamos simbora,
pois se tiver mais demora
vai até lá apanhando.”

Nessa hora, Jesus Cristo
encostou lá no portão
e disse: – “Quem sabe um dia
você ganha o meu perdão.
Acredite, o sofrimento
é pro seu melhoramento,
vai ser lá sua morada.
A conversa aqui se encerra,
pois o dinheiro da Terra
por aqui não vale nada!”

Bráulio Bessa, Um carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – Lá em casa

bráulio Bessa

Lá em casa tinha um pote
com água sempre gelada,
as cadeiras na calçada
e o rádio tocando xote.
Galinha, pato, capote,
vizinho, amigo e parente.
Tinha a vista do nascente
com sua beleza rara.
A casa não era cara
mas era a cara da gente.

Todo ano pai pintava
a fachada duma cor
sem precisar de pintor,
pois eu também ajudava.
Pai de tudo me ensinava,
matuto, mas consciente,
dizia insistentemente:
“A vida é quem lhe prepara.”
A casa não era cara
mas era a cara da gente.

Quadro de Frei Damião,
estátua de Padim Ciço,
um cachorrinho mestiço
que nunca comeu ração.
A chama de um lampião
que brilhava reluzente
de seis da tarde pra frente
deixando a noite mais clara.
A casa não era cara
mas era a cara da gente.

Mãe guardava na despensa
farinha, milho, feijão,
rapadura, macarrão,
a lista era muito extensa.
Cada fí pedia a bença
a seus pais diariamente.
Se hoje eu ficar doente
a bença ainda me sara.
A casa não era cara
mas era a cara da gente.

Lá não tinha celular
pra navegar pela rede.
Tinha rede na parede
pra deitar e balançar,
um quintal pra nós brincar
na chuva e no sol quente,
pois ser criança é urgente
já que o tempo nunca para.
A casa não era cara
mas era a cara da gente.

Meus carrinhos de madeira
espalhados pelo chão,
peteca, bila, pião,
bola, pipa e roladeira.
Hoje a tela virou feira
e o brinquedo é diferente.
Por mais que o tablet tente,
garanto: nem se compara.
A casa não era cara
mas era a cara da gente.

Bráulio Bessa, Um Carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – O drama do tamborete

bráulio Bessa

Eu nunca enfeitei castelos
na corte da realeza,
tenho pouco acabamento,
sem detalhe, sem chiqueza,
sou entroncado e baixinho,
meu inventor foi mesquinho
e não caprichou em mim.
Nunca vou me conformar
e sempre vou perguntar:
por que me fizeram assim?

Quatro pernas bem fornidas,
assento de pau, de couro,
de tecido trabalhado,
compensado cor de ouro,
assento bem assentado,
pregado, bem martelado,
mas pra riba nem um braço.
Resta a mim ser paciente,
sou móvel deficiente,
não posso dar um abraço.

Em mim ninguém se escora,
porque senão cai pra trás,
não se espicha, não se deita,
não tira um cochilo em paz.
Se eu fosse uma preguiçosa,
macia, grande e formosa
de tecidinho xadrez.
Ah, se um dia o carpinteiro
me desmanchasse inteiro
e eu nascesse outra vez.

Nascesse cama, poltrona,
nascesse talvez cadeira.
É triste ser tamborete,
o mais barato da feira.
Não sirvo pra balançar,
muito menos pra enfeitar
a sala de uma casa.
Tô sempre aqui na cozinha
escondido, só na minha,
feito um pássaro sem asa.

O povo se trepa em mim
pra ir onde não alcança.
Às vezes sou esquecido
no caminhão da mudança.
Quando é dia de calor
carrego um ventilador
e o vento nem bate “neu”,
refresca o criado-mudo,
fí duma égua sortudo
desde o dia em que nasceu.

Vou aguentando bufa,
peido xoxo, peido azedo,
peido alto, peido baixo.
Digo e não peço segredo
que é triste o meu lamento,
vivendo nesse tormento
será trágico o meu fim.
Peido vai e peido vem,
não demora pra alguém
cagar em cima de mim.

Bráulio Bessa, Um carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – O cachorro, o doutor e o matuto

bráulio Bessa

Outro dia escutei
de um doutor muito astuto
que há milhares de anos
o homem foi bicho bruto,
mas que já evoluiu.
E a dúvida surgiu
em meu quengo de matuto.

Se a ciência tá certa,
se o doutor tem razão,
por que é que meu cachorro
me dá aulas de perdão,
de amor, de amizade,
de ternura, lealdade,
paciência e gratidão?

Seu Doutor, diga pra mim,
já que tu é tão sabido:
se o bicho tem ensinado
e o homem tem aprendido,
me responda aí, apois:
afinal, qual de nós dois
é o mais evoluído?


Bráulio Bessa, Um Carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – As três letras de mãe

bráulio Bessa

Ela tem o poder de carregar
toneladas de amor e de ternura,
uma infinidade de bravura
e uma luz que jamais vai se apagar,
pois seu brilho é capaz de iluminar
o caminho que vamos percorrer.
Se arrisca pra poder nos proteger
Não importa por onde a gente for.
Nas três letras de mãe tem tanto amor
que não há quem consiga descrever.

O que ela consegue ensinar
não há curso ou escola que consiga.
A maior professora e grande amiga
com milhões de conselhos pra lhe dar.
Uma fonte impossível de secar
do mais puro e genuíno saber.
Já vi mãe que nem aprendeu a ler
mas consegue dar aula a um doutor.
Nas três letras de mãe tem tanto amor
que não há quem consiga descrever.

Tem o dom de somar pra expandir
a fartura que alegra o coração.
Mas se acaso for pouco o nosso pão
entra em cena seu dom de repartir.
Uma mestra capaz de dividir
uma gota de água pra beber,
um grãozinho de arroz para comer.
Nessa hora é que o pouco tem sabor.
Nas três letras de mãe tem tanto amor
que não há quem consiga descrever.

Sei que a alma da mãe é uma janela
que não tem cadeado nem ferrolho.
Basta olhar lá no fundo do seu olho
que a gente pula lá pra dentro dela.
Nessa hora tanta coisa se revela,
fica tudo mais fácil de entender
que até antes mesmo de nascer
você já tinha um anjo protetor.
Nas três letras de mãe tem tanto amor
que não há quem consiga descrever.

Ah, se Deus desse à mãe eternidade.
Ah, se houvesse um farelo de esperança.
Mas o hoje já já vira lembrança
e a lembrança já já vira saudade.
O relógio em alta velocidade
deixa claro que não vai retroceder.
Não espere sofrer pra perceber.
Não espere perder pra dar valor.
Nas três letras de mãe tem tanto amor
que não há quem consiga descrever.

Bráulio Bessa, Um carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – Saudade de quem se foi

bráulio Bessa

Balançando na rede da lembrança,
enrolado no lençol da solidão,
segurando seu retrato em minha mão,
minha alma não cochila nem descansa.
Serei grato ao tempo que não cansa
e viaja sem perder velocidade
pra num dia qualquer da eternidade
colocar nossas almas frente a frente.
Não há dor que maltrate mais a gente
que o corte da navalha da saudade.

Ter paciência é um dom.
Ser impaciente também!

Bráulio Bessa, Um carinho na alma

Bráulio Bessa

Bráulio Bessa – Os cabelos prateados dos meus pais

bráulio Bessa

Pelas vezes em que pude aprender
as lições que nenhuma escola ensina.
Pelas curas sem usar de medicina,
pelo pão que me deram pra comer.
Pelas vezes em que, mesmo sem saber,
fui guiado seguindo seus sinais,
enfrentando meus medos mais brutais
com o escudo do metal da proteção.
Vou pintar com a cor da gratidão
os cabelos prateados dos meus pais.

Pelas aulas de vida que ganhei
de quem mais entendia da matéria.
Por aquela “cara feia”, firme, séria
que eu vi quase sempre que errei.
Pelos sonhos que já realizei,
inclusive os mais loucos, irreais,
impossíveis, talvez irracionais,
aprendi a voar de pés no chão.
Vou pintar com a cor da gratidão
os cabelos prateados dos meus pais.

Pelas vezes em que não me senti só
mesmo estando só eu e minha dor.
Nessas horas eu sentia esse amor
me abraçando e apertando feito nó.
De repente essa dor virava pó
e as feridas que pra mim eram fatais
como um corte feito por vários punhais
um abraço transformava em arranhão.
Vou pintar com a cor da gratidão
os cabelos prateados dos meus pais.

Quando o tempo feroz acelerar
desviando da nossa juventude,
não há nada a fazer para que mude,
não há freio no mundo pra frear.
O ponteiro insiste em não parar,
pro relógio todos nós somos iguais.
Pai e mãe são eternos, mas mortais,
é saudade que se torna oração.
Vou pintar com a cor da gratidão
os cabelos prateados dos meus pais.

Feliz de quem aprendeu
e hoje pode ensinar.
É correr sem esquecer
quem lhe ensinou a andar.
Feliz de quem dá amor
pra quem só fez lhe amar.

Feliz de quem pode ter
companheiros tão leais.
Feliz de quem agradece
com sentimentos iguais.
Feliz do filho que vira,
um dia, pai de seus pais.

Bráulio Bessa, Um carinho na alma