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Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus – Quarto de despejo

carolina maria de jesus

Quando infiltrei na literatura
Sonhava so com a ventura
Minhalma estava chêia de hianto
Eu nao previa o pranto. Ao publicar o Quarto de Despejo
Concretisava assim o meu desejo.
Que vida. Que alegria.
E agora… Casa de alvenaria.
Outro livro que vae circular
As tristêsas vão duplicar.
Os que pedem para eu auxiliar
A concretisar os teus desejos
Penso: eu devia publicar…
– o ‘Quarto de Despejo’.

No início vêio adimiração
O meu nome circulou a Nação.
Surgiu uma escritora favelada.
Chama: Carolina Maria de Jesus.
E as obras que ela produz

Deixou a humanidade habismada
No início eu fiquei confusa.
Parece que estava oclusa
Num estôjo de marfim.
Eu era solicitada
Era bajulada.
Como um querubim.

Depôis começaram a me invejar.
Dizia: você, deve dar
Os teus bens, para um assilo
Os que assim me falava
Não pensava.
Nos meus filhos.

As damas da alta sociedade.
Dizia: praticae a caridade.
Doando aos pobres agasalhos.
Mas o dinheiro da alta sociedade
Não é destinado a caridade
É para os prados, e os baralhos

E assim, eu fui desiludindo
O meu ideal regridindo
Igual um côrpo envelhecendo.
Fui enrrugando, enrrugando…
Petalas de rosa, murchando, murchando
E… estou morrendo!

Na campa silente e fria
Hei de repousar um dia…
Não levo nenhuma ilusão
Porque a escritora favelada
Foi rosa despetalada.
Quantos espinhos em meu coração.
Dizem que sou ambiciosa
Que não sou caridosa.
Incluiram-me entre os usurários
Porque não critica os industriaes
Que tratam como animaes.
– Os operários…


Carolina Maria de Jesus, Meu estranho diário (grafia original)

Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus – Sonhei

carolina maria de jesus

Sonhei que estava morta
Vi um corpo no caixão
Em vez de flores eram livros
Que estavam nas minhas mãos
Sonhei que estava estendida
No cimo de uma mesa
Vi o meu corpo sem vida
Entre quatro velas acesas

Ao lado o padre rezava
Comoveu-me a sua oração
Ao bom Deus ele implorava
Para dar-me a salvação
Suplicava ao Pai Eterno
Para amenizar o meu sofrimento
Não me enviar para o inferno
Que deve ser um tormento

Ele deu-me a extrema-unção
Quanta ternura notei
Quando foi fechar o caixão
Eu sorri… e despertei.

Carolina Maria de Jesus, Antologia pessoal

Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus – Dá-me as rosas

carolina maria de jesus

No campo em que eu repousar
Solitária e tenebrosa
Eu vos peço para adornar
O meu jazigo com as rosas

As flores são formosas
Aos olhos de um poeta
Dentre todas são as rosas
A minha flor predileta

Se a afeiçoares aos versos inocentes
Que deixo escritos aqui
E quiseres ofertar-me um presente
Dá-me as rosas que pedi.

Agradeço-lhe com fervor
Desde já o meu obrigado
Se me levares esta flor
No dia dos finados.

Carolina Maria de Jesus, Antologia pessoal

Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus – Humanidade

carolina maria de jesus

Depôis de conhecer a humanidade
suas perversidades
suas ambições
Eu fui envelhecendo
E perdendo
as ilusões
o que predomina é a
maldade
porque a bondade:
Ninguem pratica
Humanidade ambiciosa
E gananciosa
Que quer ficar rica!
Quando eu morrer…
Não quero renascer
é horrivel, suportar a humanidade
Que tem aparência nobre
Que encobre
As pesimas qualidades

Notei que o ente humano
É perverso, é tirano
Egoista interesseiros
Mas trata com cortêzia
Mas tudo é ipocresia
São rudes, e trapaçêiros

Carolina Maria de Jesus, Meu estranho diário

Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus – A rosa

carolina maria de jesus

Eu sou a flor mais formosa
Disse a rosa
Vaidosa!
Sou a musa do poeta.

Por todos sou contemplada
E adorada.

A rainha predileta.
Minhas pétalas aveludadas
São perfumadas
E acariciadas.

Que aroma rescendente:
Para que me serve esta essência,
Se a existência
Não me é concernente…

Quando surgem as rajadas
Sou desfolhada
Espalhada
Minha vida é um segundo.
Transitivo é meu viver
De ser…
A flor rainha do mundo.

Carolina Maria de Jesus, Antologia pessoal

Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus – Muitas fugiam ao me ver…

carolina maria de jesus

Muitas fugiam ao me ver
Pensando que eu não percebia
Outras pediam pra ler
Os versos que eu escrevia

Era papel que eu catava
Para custear o meu viver
E no lixo eu encontrava livros para ler
Quantas coisas eu quiz fazer
Fui tolhida pelo preconceito
Se eu extinguir quero renascer
Num país que predomina o preto

Adeus! Adeus, eu vou morrer!
E deixo esses versos ao meu país
Se é que temos o direito de renascer
Quero um lugar, onde o preto é feliz.

Carolina Maria de Jesus, Antologia pessoal