Navegando pela Categoria

Castro Alves

Castro Alves

Castros Alves – No barco

castro alves

— Lucas! — Maria! murmuram juntos…
E a moça em pranto lhe caiu nos braços.
Jamais a parasita em flóreos laços
Assim ligou-se ao piquiá robusto…

Eram-lhe as tranças a cair no busto
Os esparsos festões da granadilha…
Tépido aljôfar o seu pranto brilha,
Depois resvala no moreno seio…

Oh! doces horas de suave enleio!
Quando o peito da virgem mais arqueja,
Como o casal da rola sertaneja,
Se a ventania lhe sacode o ninho.

Cantai, ó brisas, mas cantai baixinho!
Passai, ó vagas…, mas passai de manso!
Não perturbei-lhes o plácido remanso,
Vozes do ar! emanações do rio!

“Maria, fala!” — “Que acordar sombrio”,
Murmura a triste com um sorriso louco,
“No Paraíso eu descansava um pouco…
Tu me fizeste despertar na vida…

“Por que não me deixaste assim pendida
Morrer co’a fronte oculta no teu peito?
Lembrei-me os sonhos do materno leito
Nesse momento divinal… Qu’importa?…

“Toda esperança para mim ‘stá morta…
Sou flor manchada por cruel serpente…
Só de encontro nas rochas pode a enchente
Lavar-me as nódoas, m’esfolhando a vida.

“Deixa-me! Deixa-me a vagar perdida…
Tu! — Parte! Volve para os lares teus.
Nada perguntes… é um segredo horrível…
Eu te amo ainda… mas agora — adeus!”

Castros Alves, Espumas flutuantes/ Os escravos

Castro Alves

Castro Alves – A cachoeira

castro alves

Mas súbito da noite no arrepio
Um mugido soturno rompe as trevas…
Titubantes – no álveo do rio –
Tremem as lapas dos titães coevas!…
Que grito é este sepulcral, bravio,
Que espanta as sombras ululantes, sevas?…
É o brado atroador da catadupa
Do penhasco batendo na garupa!…

Quando no lodo fértil das paragens
Onde o Paraguaçu rola profundo,
O vermelho novilho nas pastagens
Come os caniços do torrão fecundo;
Inquieto ele aspira nas bafagens
Da negra suc’ruiuba o cheiro imundo…
Mas já tarde…. silvando o monstro voa…
E o novilho preado os ares troa!

Então doido de dor, sânie babando,
Co’a serpente no dorso parte o touro…
Aos bramidos os vales vão clamando,
Fogem as aves em sentido choro…
Mas súbito ela às águas o arrastando
Contrai-se para o negro sorvedouro…
E enrolando-lhe o corpo quente, exangue,
Quebra-o nas roscas, donde jorra o sangue.

Assim dir-se-ia que a caudal gigante
– Larga sucuruiuba do infinito –
Co’as escamas das ondas coruscante
Ferrara o negro touro de granito!…
Hórrido, insano, triste, lacerante
Sobe do abismo um pavoroso grito…
E medonha a suar a rocha brava
As pontas negras na serpente crava!…

Dilacerado o rio espadanando
Chama as águas da extrema do deserto…
Atropela-se, empina, espuma o bando…
E em massa rui no precipício aberto…
Das grutas nas cavernas estourando
O coro dos trovões travam concerto…
E ao vê-lo as águias tontas, eriçadas
Caem de horror no abismo estateladas…

A cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!
A briga colossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parcéis sangrentos.
Relutantes da dor do cataclismo
Os braços do gigante suarentos
Aguentando a ranger (espanto! assombro!)
O rio inteiro, que lhe cai do ombro.

Grupo enorme do fero Laocoonte
Viva a Grécia acolá e a luta estranha!…
Do sacerdote o punho e a roxa fronte…
E as serpentes de Tênedos em sanha!…
Por hidra – um rio! Por áugure – um monte!
Por aras de Minerva – uma montanha!
E em torno do pedestal laçados, tredos,
Como filhos – chorando-lhe – os penedos!!!…

Castro Alves, Melhores poemas

Castro Alves

Castro Alves – Hebreia

castro alves

Pomba d’esp’rança sobre um mar d’escolhos!
Lírio do vale oriental, brilhante!
Estrela vésper do pastor errante!
Ramo de murta a recender cheirosa!…

Tu és, ó filha de Israel formosa…
Tu és, ó linda, sedutora Hebreia…
Pálida rosa da infeliz Judeia
Sem ter o orvalho, que do céu deriva!

Por que descoras, quando a tarde esquiva
Mira-se triste sobre o azul das vagas?
Serão saudades das infindas plagas,
Onde a oliveira no Jordão se inclina?

Sonhas acaso, quando o sol declina,
A terra santa do Oriente imenso?
E as caravanas no deserto extenso?
E os pegureiros da palmeira à sombra?!…

Sim, fora belo no relvosa alfombra,
Junto da fonte, onde Raquel gemera,
Viver contigo qual Jacó vivera
Guiando escravo teu feliz rebanho…

Depois nas águas de cheiroso banho
– Como Susana a estremecer de frio –
Fitar-te, ó flor do babilônio rio,
Fitar-te a medo no salgueiro oculto…

Vem pois!… Contigo no deserto inculto,
Fugindo às iras de Saul embora,
Davi eu fora, – se Micol tu foras,
Vibrando na harpa do profeta o canto…

Não vês?… Do seio me goteja o pranto
Qual da torrente do Cédron deserto!…
Como lutara o patriarca incerto
Lutei, meu anjo, mas caí vencido.

Eu sou o lótus para o chão pendido.
Vem ser o orvalho oriental, brilhante!…
Ai! guia o passo ao viajor perdido,
Estrela vésper do pastor errante!…

Castro Alves, Melhores poemas

Castro Alves

Castro Alves – Beijo eterno

castro alves

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!

Fora, repouse em paz
Dormindo em calmo sono a calma natureza,
Ou se debata, das tormentas presa,
Beija inda mais!
E, enquanto o brando calor
Sinto em meu peito de teu seio,
Nossas bocas febris se unam com o mesmo anseio,
Com o mesmo ardente amor!

Diz tua boca: “Vem!”
Inda mais! diz a minha, a soluçar… Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
“Morde também!”
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,
Morto por teu amor!

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!

Castro Alves, Melhores poemas

Castro Alves

Castro Alves – Os três amores

castro alves

I
Minh’alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora…
Sou Tasso!… a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora…
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes…
– Tu és Eleonora…

II
Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu… teu lânguido poeta!…
Sonho-te às vezes virgem… seminua…
Roubo-te um casto beijo à luz da lua…
– E tu és Julieta…

III
Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias rola…
Sou D. Juan!… Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha…
Eu morro, se desfaço-te a mantilha…
Tu és – Júlia, a Espanhola!…

Castro Alves, Espumas flutuantes