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Charles Bukowski

Charles Bukowski

Charles Bukowski – Como um mata-moscas

Charles Bukowski

es­cre­va ao pre­si­den­te
es­tá che­gan­do
tu­do es­tá che­gan­do

um dia vo­cê bei­ja­rá cães na rua
um dia to­do o di­nhei­ro de que pre­ci­sa­rá vai ser
vo­cê mes­mo

se­rá tão fácil que fi­ca­re­mos com­ple­ta ou
apa­ren­te­men­te lou­cos e
can­ta­re­mos por ho­ras
cri­an­do mun­dos e rin­do

do­ce me­ni­no je­sus
o so­nho es­tá tão próxi­mo
dá pra to­cá-lo que nem um
ma­ta-mos­cas
en­quan­to for­ça­mos ca­mi­nho pe­las pa­re­des ru­mo ao
se­pul­ta­men­to

a Bom­ba em si não te­rá im­por­tân­cia
azulões de man­tei­ga de amen­doim re­ben­ta­dos pe­ran­te seus olhos não te­rão
im­por­tân­cia
é só
a con­for­ma­ção de luz e ideia e pas­sos lar­gos tu­do
amon­to­a­do
em ban­do
ca­mi­nhan­do

uma pu­ta noi­te po­de­ro­sa
um pu­ta ca­mi­nho po­de­ro­so

é tão fácil

um dia vou en­trar nu­ma jau­la com um ur­so
sen­tar e acen­der um ci­gar­ro
olhar pa­ra Ele
e Ele vai sen­tar e cho­rar,
40 bi­lhões de pes­so­as as­sis­tin­do sem som
en­quan­to o céu vi­ra de pon­ta-ca­be­ça e
ra­cha fun­do a
es­pi­nha dor­sal.

Charles Bukowski, Tempestade para os vivos e para os mortos – Tradução, Rodrigo Breunig

Charles Bukowski

Charles Bukowski – Má sorte

Charles Bukowski

há bo­as coi­sas em vol­ta se vo­cê
pro­cu­rar bem.
eu me lem­bro de uma vez no cam­po de con­cen­tra­ção ale-
­mão
em que agar­ra­mos um ve­a­do
eles vêm a ca­lhar quan­do não há mu­lher dis­po­ní­vel
e nós ca­ga­mos ele a pau pri­mei­ro
e aí pas­sa­mos ele de mão em mão
e fi­ze­mos ele chu­par o pau de um ca­ra
en­quan­to o ou­tro ca­ra ar­rom­ba­va ele
e até mes­mo um dos guar­das ale­mães se jun­tou
e apro­vei­tou um pou­co – que noi­te!
e aque­le ve­a­do não con­se­guiu an­dar por um mês
e cer­ta noi­te ele foi mor­to a ti­ros
ten­tan­do es­ca­par pe­lo ara­me
e eu me lem­bro do Harry ge­men­do
en­quan­to via o cor­po do bi­cha sen­do car­re­ga­do
com aque­les 2 bu­ra­cos na ca­be­ça:
“lá se vai o me­lhor ra­bo que eu já
pe­guei!”

Charles Bukowski, Tempestade para os vivos e para os mortos

Charles Bukowski

Charles Bukowski – O pássaro azul

Charles Bukowski

há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei
que ninguém o veja.

há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.

há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo,
fique aí, quer acabar
comigo?
quer foder com minha
escrita?
quer arruinar a venda dos meus livros na
Europa?

há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo, sei que você está aí,
então não fique
triste.

depois o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, e
você?

Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos

Charles Bukowski

Charles Bukowski – Algo pra valer, uma boa mulher

Charles Bukowski

ficam sempre escrevendo sobre os touros, os toureiros,
aqueles que nunca os viram,
e enquanto vou rompendo as teias das aranhas para pegar meu vinho
o aham dos bombardeiros, maldito bam rompendo a calmaria,
e preciso escrever uma carta pro meu padre sobre certa puta da rua 3
que fica me chamando às 3 da manhã;
velhas escadas acima, bunda cheia de farpas,
pensando em poetas de livro de bolso e no padre,
e domino a máquina de escrever como uma máquina de lavar,
e veja veja os touros ainda estão morrendo
e ainda os cevam e os ceifam
como trigo nos campos,
e o sol está preto como tinta, isto é tinta preta,
e a minha esposa fala Brock, pelo amor de Deus,
a máquina de escrever a noite toda,
como vou conseguir dormir? e eu me enfio na cama e
beijo seu cabelo desculpa desculpa desculpa
às vezes eu fico empolgado não sei por quê
amigo meu disse que ia escrever sobre
Manolete…
quem é esse? ninguém, criança, alguém morto
como Chopin ou nosso velho carteiro ou um cão,
dorme, dorme,
e eu a beijo e esfrego sua cabeça,
uma boa mulher,
e logo ela pega no sono e eu espero
a manhã.

Charles Bukowski, Sobre amor

Charles Bukowski

Charles Bukowski – A escapada

Charles Bukowski

escapar de uma viúva negra
é um milagre tão grande quanto a própria arte.
que rede ela pode tecer
enquanto o arrasta vagarosamente em sua direção
ela irá abraçá-lo
depois, quando estiver satisfeita,
ela o matará
ainda no mesmo abraço
e lhe sugará todo o sangue.

escapei de minha viúva negra
porque ela possuía machos demais
em sua rede
e enquanto ela abraçava um deles
e depois o outro e então ainda
outro
me libertei
retornei
ao lugar onde estava anteriormente.

ela sentirá minha falta –
não de meu amor
mas do gosto do meu sangue,
mas ela é boa, ela encontrará outro
sangue;
ela é tão boa que quase sinto falta de minha morte,
mas não o suficiente;
escapei. eu vejo as outras
teias.

Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos

Charles Bukowski

Charles Bukowski – Sapatos

Charles Bukowski

sapatos no armário como lírios de Páscoa,

meus sapatos sozinhos neste momento,
e outros sapatos com outros sapatos
como cães andando por avenidas,
e o fumo por si só não basta
e eu recebi uma carta de uma mulher num hospital,
amor, ela diz, amor,
mais poemas,
mas não escrevo,
não me entendo,
ela me manda fotografias do hospital
tiradas do ar,
mas me lembro dela em outras noites,
não morrendo,
sapatos com saltos como adagas
parados ao lado dos meus,
como essas noites fortes
podem mentir pra caramba,
como essas noites ficam quietas afinal
meus sapatos no armário
sobrevoados por casacões e camisas desengonçadas,
e eu olho para o buraco deixado pela porta
e as paredes, e não
escrevo.

Charles Bukowski, Sobre o amor

Charles Bukowski

Charles Bukowski – Sozinho com todo mundo

Charles Bukowski

a carne cobre os ossos
e colocam uma mente
ali dentro e
algumas vezes uma alma,
e as mulheres quebram
vasos contra as paredes
e os homens bebem
demais
e ninguém encontra o
par ideal
mas seguem na
procura
rastejando para dentro e para fora
dos leitos.
a carne cobre
os ossos e a
carne busca
muito mais do que mera
carne.

de fato, não há qualquer
chance:
estamos todos presos
a um destino
singular.

ninguém nunca encontra
o par ideal.

as lixeiras da cidade se completam
os ferros-velhos se completam
os hospícios se completam
as sepulturas se completam

nada mais
se completa

Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos

Charles Bukowski

Charles Bukowski – A música suave

Charles Bukowski

vence o amor porque nela não há
feridas: pela manhã
a mulher liga o rádio, Brahms ou Ives
ou Stravinsky ou Mozart. ferve os
ovos contando em voz alta os segundos: 56,
57, 58… descasca os ovos, os traz
para mim na cama. depois do café da manhã é
a mesma cadeira e ouvir a música
clássica. A mulher está no seu primeiro copo de
scotch e no seu terceiro cigarro. digo-lhe
que preciso ir ao hipódromo. ela
está aqui há 2 noites e 2 dias. “quando
voltarei a vê-la?” pergunto. ela
sugere que fique a meu critério.
aceno com a cabeça e Mozart toca.

Charles Bukowski, O Amor é um Cão dos Diabos

Charles Bukowski

Charles Bukowski – A deusa de um metro e oitenta

Charles Bukowski

sou grande
suponho que é por isso que minhas mulheres sempre
parecem
pequenas
mas essa deusa de um metro e oitenta
que negocia imóveis
e arte
e que voa do Texas
para me ver
e eu voo ao Texas
para vê-la –
bem, há nela o suficiente para
ser agarrado
e eu me agarro todo
nela,
puxo-lhe a cabeça para trás pelos cabelos,
sou macho de verdade,
chupo-lhe o lábio superior
sua xoxota
sua alma
monto sobre ela e lhe digo,
“vou lançar suco quente e branco
dentro de você. não voei desde
Galveston para jogar
xadrez”.

depois nos deitamos enlaçados como vinhas humanas
meu braço esquerdo debaixo de seu travesseiro
meu braço direito sobre o lado de seu corpo
aferro-me às suas mãos,
e meu peito
barriga
bolas
pau
enroscam-se nela
e através de nós
no escuro
passam raios
pra lá e pra cá
pra lá e pra cá
até que eu desfaleça
e nós durmamos.

ela é selvagem
mas dócil
minha deusa de um metro e oitenta
faz-me rir
a risada do mutilado
que ainda precisa de
amor,
e seus olhos abençoados
fluem para o fundo de sua cabeça
como nascentes na montanha
ao longe
nascentes
frescas e boas.

ela me resguardou
de tudo o que não está
aqui.

Charles Bukowski, O Amor é um Cão dos Diabos

Charles Bukowski

Charles Bukowski – Você

Charles Bukowski

você é uma fera, ela disse
sua enorme barriga branca
e seus pés cabeludos.
você jamais corta as unhas
e tem mãos gordas
como as patas de um gato
seu nariz vermelho e brilhante
e os maiores bagos que
eu já vi.
você lança esperma como
uma baleia lança água pelo
buraco das costas.

fera, fera, fera,
ela me beijou,
o que você quer para o
café da manhã?

Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos

Charles Bukowski

Charles Bukowski – Para a puta que levou meus poemas

Charles Bukowski

alguns dizem que deveríamos evitar remorsos particulares no

poema,
manter a abstração, e há certa razão nisso,
mas jezus:
lá se foram 12 poemas e eu nunca uso papel-carbono e você está com
minhas
pinturas também, minhas melhores; é sufocante:
você está tentando me triturar como todos os outros?
por que não leva meu dinheiro? é o que costumam tirar
das calças bêbadas e adormecidas passando mal na esquina.
da próxima vez leve meu braço esquerdo ou uma nota de cinquenta

mas não meus poemas:
não sou Shakespeare
mas um dia simplesmente
não haverá mais nenhum, abstrato ou seja o que for;
sempre haverá dinheiro e putas e bêbados
até a última bomba,
mas como Deus disse,
cruzando as pernas:
percebo que fiz poetas de sobra
mas não muita
poesia.

Charles Bukowski, Sobre o Amor

Charles Bukowski

Charles Bukowski – O amor é uma folha de papel rasgada em pedaços

Charles Bukowski

toda a cerveja estava envenenada e o cap. soçobrou

e o imediato e o cozinheiro
e não tínhamos ninguém pra manejar as velas
e o noroeste dilacerou os panos como unhas
e nós arfávamos que era uma loucura
o casco se rasgando nas laterais
e o tempo todo no canto
um merda qualquer comia uma cadela bêbada (minha esposa)
e socava tranquilo
como se nada estivesse acontecendo
e o gato não parava de olhar para mim
e de rastejar na despensa
em meio aos pratos estrepitosos
com flores e videiras pintadas neles
até que não aguentei mais
e peguei a coisa
e a lancei
pela
borda.

Charles Bukowski, Sobre o amor

Charles Bukowski

Charles Bukowski – Escala

Charles Bukowski

Fazendo amor sob o sol, sob o sol matinal

num quarto de hotel
acima do beco
onde homens pobres catam garrafas;
fazendo amor sob o sol
fazendo amor junto a um tapete mais vermelho que nosso sangue,
fazendo amor enquanto meninos vendem manchetes
e Cadillacs,
fazendo amor junto a uma foto de Paris
e um maço aberto de Chesterfields,
fazendo amor enquanto outros homens – pobres
coitados –
trabalham.
Daquele momento – a este…

podem ser anos do jeito como são medidos,
mas é só uma frase atrás na minha mente –
são inúmeros os dias
nos quais a vida para e estaciona e fica
e espera como um trem nos trilhos.
Eu passo pelo hotel às 8
e às 5; vejo gatos nos becos
e garrafas e vagabundos,
e olho a janela no alto e penso:
não sei mais onde você está,
e sigo caminhando e me pergunto para onde
a vida vai
quando para.

Charles Bukowski, Sobre o amor

Charles Bukowski

Charles Bukowski – Confissões

Charles Bukowski

esperando pela morte

como um gato
que vai pular na
cama
lamento muitíssimo pela

minha esposa
ela vai ver este

corpo
rijo e
branco
vai sacudi-lo uma vez, então

talvez
de novo:
“Hank!”

Hank não vai

responder
não é a minha morte que

me preocupa, é a minha esposa
deixada sozinha com este
monte

de nada.
eu quero que

ela saiba
no entanto
que todas as noites
dormindo

a seu lado
e mesmo as inúteis
discussões
foram coisas
totalmente esplêndidas
e as palavras

duras
que sempre temi
dizer
podem agora ser
ditas:
eu te

amo.

Charles Bukowski, Sobre amor

Charles Bukowski

Charles Bukowski – Minha

Charles Bukowski

Ela jaz ali embolada.
Posso sentir a grande montanha vazia
de sua cabeça
mas ela está viva. Boceja e
coça o nariz e
puxa para si as cobertas.
Logo lhe darei o beijo de boa-noite
e nós vamos dormir.
E longínqua é a Escócia
e embaixo da terra
correm os roedores.
Ouço motores na noite
e pelo céu rodopia uma
branca mão:
boa noite, querida, boa noite.

Charles Bukowski, Sobre o amor