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Elizabeth Acevedo

Elizabeth Acevedo

Elizabeth Acevedo – Guardando um poema no corpo

Elizabeth Acevedo

Hoje, depois do banho,
em vez de encarar partes de mim mesma
eu quero me montar em outro quebra-cabeça,
eu observo minha boca enquanto memorizo um dos
meus poemas.

Mesmo que não planeje deixar ninguém ouvir,
penso naquele vídeo de poesia da aula…

Eu deixo as palavras se formarem sólidas na minha
boca.

Eu deixo minhas mãos fingirem ser marcas de
pontuação

que traçam, apontam e se apertam uma na outra.
Eu deixo meu corpo finalmente ocupar todo o espaço
que quer.

Eu balanço a cabeça, e faço careta,
e mostro os dentes, e sorrio, e ergo os punhos,
e cada um dos meus membros
é um ator tentando dominar o palco.

E aí Mami bate na porta
e pergunta o que estou falando aqui sozinha,
melhor não ser letra de rap,
e eu respondo: “Versos. Estou decorando versos.”
Eu sei que ela acha que estou falando da Bíblia.

Escondo meu caderno na toalha antes de ir para o
quarto,

e me conforto com o fato de que não estava mentindo
de verdade.

Elizabeth Acevedo, Poeta X

Elizabeth Acevedo

Elizabeth Acevedo – O que não dizemos

Elizabeth Acevedo

No caminho de metrô para casa,
o Gêmeo se esconde nos seus sentimentos
como se fossem um jardim murado
que não tenho direito de visitar.

Ele passa o tempo inteiro
jogando xadrez no celular.

“Gêmeo. Eu sei que você provavelmente se sentiu assim
a vida inteira, mas,
se Mami e Papi descobrirem sobre o Branquelo,
eles de fato vão te matar.”

Seus dedos movem uma torre pela tela,
atacando algum oponente imaginário.

“Cody. O nome dele não é Branquelo.
E eu sei o que Mami e Papi vão dizer.
O que você vai dizer também.”

Mas nem eu sei o que vou dizer.
Só sei que sempre quis mantê-lo em segurança,
mas isso faz dele um alvo

e não posso desviar as flechas que sei que estão chegando.

Elizabeth Acevedo, A poeta X

Elizabeth Acevedo

Elizabeth Acevedo – As próximas duas semanas

Elizabeth Acevedo

Passam como um trem expresso,
e antes que eu perceba,
outubro esfriou o ar,
e estamos todos enrolados em
casacos e jaquetas.

Eu tento evitar a Sra. Galiano,
que sempre me lembra de que
eu seria muito bem-vinda
no clube de poesia.

Aman e eu temos diferentes
intervalos, mas caminhamos juntos
até a estação depois da escola,
ouvindo música ou só aproveitando o silêncio.

Acho que nós dois queremos fazer mais,
mas eu ainda sou muito tímida, e ele ainda é muito… Aman.
O que significa que ele nunca me pressiona,
e eu acabo me perguntando se ele é respeitoso,
ou se apenas não gosta de mim desse jeito.

Mas ele não estaria passando tanto tempo comigo
se não estivesse a fim de mim, certo?
E, embora eu ainda queira ficar sentada durante a comunhão,
eu me levanto toda vez, coloco a hóstia na boca,
e depois a grudo embaixo do banco.
Minhas mãos tremem menos a cada vez.

O mais difícil são as terças.
Quando fico na aula de crisma
sabendo que poderia estar no clube de poesia,
ou escrevendo, ou fazendo qualquer outra coisa
que não tentando não ouvir tudo o que o padre Sean diz.

E eu finjo bem.

Pelo menos até o dia em que
eu abro minha boca, em geral calada,
e decido perguntar ao padre Sean
sobre Eva.

Elizabeth Acevedo, A poeta X

Elizabeth Acevedo

Elizabeth Acevedo – Espera…

Elizabeth Acevedo

É isso o que a Sra. Galiano acha
que vou fazer no seu clube de poesia?
Ela mencionou uma competição,
e eu sei como essas coisas funcionam,
mas ela não pode achar que eu,
que fico em total silêncio durante a aula,
que só falo para tirar alguém do meu pé,
vou subir num palco
e recitar qualquer coisa que escrevi,
em voz alta, para outras pessoas.

Ela só pode estar totalmente doida.

Elizabeth Acevedo, A poeta X

Elizabeth Acevedo

Elizabeth Acevedo – Nomes

Elizabeth Acevedo

Eu sou a única na família
que não tem um nome bíblico.
Merda, Xiomara não é nem dominicano.

Eu sei porque eu procurei.
Quer dizer: a que está pronta para a guerra.

E, verdade seja dita, essa descrição é bem certeira
porque eu até tentei vir ao mundo
pronta para a briga: com o pé na porta.

Tiveram que abrir a barriga da Mami
depois que ela pariu
meu irmão gêmeo, Xavier, sem problema.
E meu nome para algumas bocas
é igualmente difícil e doloroso de falar.
Até que eu devagar diga:

Si-o-MA-ra.
Eu aprendi a não tremer no primeiro dia de aula
quando os professores engasgam como idiotas tentando acertar.

Mami diz que achava que era nome de santa.
Me deu esse presente de guerra e agora reclama
do quanto eu honro o que me deu.

Meus pais deviam querer uma menina sentadinha na igreja
vestindo roupas florais e com um sorriso doce.
Ganharam coturnos e uma boca fechada
Até se provar afiada como um machete.

Elizabeth Acevedo, A poeta X

Elizabeth Acevedo

Elizabeth Acevedo – Mira, muchacha

Elizabeth Acevedo

É o jeito preferido da Mami de começar uma frase,
e eu sei que já fiz alguma coisa errada
quando ela me vem com isso: “Olha, garota…”

Desta vez é “Mira, muchacha, a Marina do prédio em frente
me falou que você estava na calçada de novo falando com los vendedores.”

Como sempre, eu mordo a língua e não corrijo,
porque eu não estava falando com os traficantes;
eles estavam falando comigo. Mas ela diz que não
quer papo entre eu e aqueles garotos,
ou qualquer garoto, e é melhor que ela não fique sabendo que estou pendurada
como uma camiseta molhada no varal só esperando para ser usada
ou ela mesma vai torcer meu pescoço.

“Oíste?”, ela pergunta, mas vai embora antes da minha resposta.

Às vezes eu queria dizer para ela que a única pessoa nesta casa
que ninguém escuta sou eu.

Elizabeth Acevedo, A poeta X

Elizabeth Acevedo

Elizabeth Acevedo – Inescondível

Elizabeth Acevedo

Eu sou inescondível.

Mais alta até que meu pai, com o que Mami sempre chamou de
“corpo demais para uma menina tão nova”.
Eu sou o bebê com muitas dobrinhas agora assentadas em peitos grandes demais e quadris ondulantes,
então os meninos que me chamavam de baleia no quarto ano
agora me pedem fotos de biquíni.

Outras meninas me chamam de metida. Puta. Dada.
Quando seu corpo ocupa mais espaço do que sua voz
você é sempre alvo de boatos certeiros,
e é por isso que deixo meus punhos falarem por mim.
E é por isso que aprendi a não ligar quando meu nome dá lugar a insultos.

Forcei minha casca a ser tão grossa quanto eu.

Elizabeth Acevedo, A Poeta X

Elizabeth Acevedo

Elizabeth Acevedo – Sentando na calçada

Elizabeth Acevedo

O verão existe para se sentar na calçada
e a uma semana do começo das aulas,
o Harlem abre os olhos pra setembro.

Eu observo o quarteirão que sempre chamei de lar.

Vejo as velhinhas da igreja, chinelas estapeando a calçada,
suas bocas desatando carretas de espanhol caribenho
espalhando seus disse me disse.

Espio Papote da rua de baixo
abrindo o hidrante
e as crianças correm pelo veio d’água.

Ouço os táxis piratas buzinando, bachata a todo volume
vazando das janelas abertas,
competindo com os ecos do basquete no Little Park.

Risos dos viejos — não do meu pai —
finalizando partidas de dominó com tapas
e gritos de “Capicu!”

Balanço a cabeça quando até os traficantes a postos perto do prédio
sorriem mais no verão, as caras feias se amaciando
em olhares grudentos para

as garotas em vestidos frescos e shorts:

— Ayo, Xiomara, você tem que usar uns vestidos assim!
— Porra, te casariam antes do fim das férias.
— Até porque todo mundo sabe que as carolas são as mais putas.

Mas eu ignoro as provocações, aproveito o finzinho da liberdade,
e espero as longas sombras me dizerem
quando Mami está para chegar do trabalho,

quando está na hora de subir às escondidas.

Elizabeth Acevedo, A poeta X