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Florbela Espanca

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Pequenina

florbela espanca

És pequenina e ris … A boca breve 
É um pequeno idílio cor-de-rosa … 
Haste de lírio frágil e mimosa! 
Cofre de beijos feito sonho e neve! 

Doce quimera que a nossa alma deve 
Ao Céu que assim te faz tão graciosa! 
Que nesta vida amarga e tormentosa 
Te fez nascer como um perfume leve! 

O ver o teu olhar faz bem à gente … 
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores 
Quando o teu nome diz, suavemente … 

Pequenina que a Mãe de Deus sonhou, 
Que ela afaste de ti aquelas dores 
Que fizeram de mim isto que sou! 

 

Florbela Espanca, Livros de mágoas

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Noite da saudade

florbela espanca

A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura…
E nem sequer a benção do luar
A quis tornar divinamente pura…

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura…
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Por que és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem…
Talvez de ti, ó Noite!… Ou de ninguém!…
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!

 

Florbela Espanca, Cinco séculos de sonetos Portugueses

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Crisântemos

florbela espanca

Sombrios mensageiros das violetas,
De longas e revoltas cabeleiras;
Brancos, sois o casto olhar das virgens
Pálidas que ao luar, sonham nas eiras.

Vermelhos, gargalhadas triunfantes,
Lábios quentes de sonhos e desejos,
Carícias sensuais d’amor e gozo;
Crisântemos de sangue, vós sois beijos!

Os amarelos riem amarguras,
Os roxos dizem prantos e torturas,
Há-os também cor de fogo, sensuais…

Eu amo os crisântemos misteriosos
Por serem lindos, tristes e mimosos,
Por ser a flor de que tu gostas mais!

 

Florbela Espanca, Poesias de Florbela Espanca

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Junquilhos…

florbela espanca

Nessa tarde mimosa de saudade
Em que eu te vi partir, ó meu amor,
Levaste-me a minh’alma apaixonada
Nas olhas perfumadas duma flor.

E como a alma, dessa florzita,
Que é a minha, por ti palpita amante!
Oh alma doce, pequenina e branca,
Conserva o teu perfume estonteante!

Quando fores velha, emurchecida e triste,
Recorda ao meu amor, com teu perfume
A paixão que deixou e qu’inda existe…

Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde,
Que venha aquecer-se ao brando lume
Dos meus olhos que morrem de saudade!

 

Florbela Espanca, Livro D´ele

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Castelã

florbela espanca

Altiva e couraçada de desdém
Vivo sozinha em meu castelo, a Dor…
Debruço-me às ameias ao sol-pôr
E ponho-me a cismar não sei em quem!

Castelã da Tristeza vês alguém?!…
– E o meu olhar é interrogador…
E rio e choro! É sempre o mesmo horror
E nunca, nunca vi passar ninguém!

– Castelã da Tristeza, porque choras,
Lendo toda de branco um livro de horas,
À sombra rendilhada dos vitrais?…

Castelã da Tristeza, é bem verdade,
Que a tragédia infinita é a Saudade!
Que a tragédia infinita é Nunca Mais!!

 

Florbela Espanca, Soneto Completos

Florbela Espanca

Florbela Espanca – O nosso livro

florbela espanca

Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito…
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.

Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito
Não esfolhes os lírios com que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!

Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sois!

Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
“Versos só nossos, só de nós os dois!…”

Florbela Espanca, O Livro de Sóror Saudade

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Lágrimas ocultas

florbela espanca

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida …

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago …
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim …

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca, Livro de Mágoas

Florbela Espanca

Florbela Espanca – O teu olhar

florbela espanca

Quando fito o teu olhar,
Duma tristeza fatal,
Dum tão íntimo sonhar,
Penso logo no luar
Bendito de Portugal!

O mesmo tom de tristeza,
O mesmo vago sonhar,
Que me traz a alma presa
Às festas da Natureza
E à doce luz desse olhar!

Se algum dia, por meu mal,
A doce luz me faltar
Desse teu olhar ideal,
Não se esqueça Portugal
De dizer ao seu luar

Que à noite, me vá depor
Na campa em que eu dormitar,
Essa tristeza, essa dor,
Essa amargura, esse amor,
Que eu lia no teu olhar!

Florbela Espanca, O Livro D′Ele

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Fanatismo

florbela espanca

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa… ”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim! … ”

Florbela Espanca, Poemas Selecionados

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Vaidade

florbela espanca

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo…
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho… E não sou nada!…

Florbela Espanca, Sonetos Completos

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Eu

florbela espanca

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada … a dolorida …

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida! …

Sou aquela que passa e ninguém vê …
Sou a que chamam triste sem o ser …
Sou a que chora sem saber porquê …

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca, Livro de Mágoas

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Este Livro…

florbela espanca

Este livro é de mágoas. Desgraçados
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo … e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem , sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes … Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas … Dores … Ansiedades!
Livro de Sombras … Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo … (Trouxe-o no meu seio …)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio! …

Florbela Espanca, Livro de Mágoas

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Pobrezinha

florbela espanca

Nas nossas duas sinas tão contrárias 
Um pelo outro somos ignorados: 
Sou filha de regiões imaginárias, 
Tu pisas mundos firmes já pisados. 

Trago no olhar visões extraordinárias 
De coisas que abracei de olhos fechados… – 
Em mim não trago nada, como os párias… 
Só tenho os astros, como os deserdados… 

E das tuas riquezas e de ti 
Nada me deste e eu nada recebi, 
Nem o beijo que passa e que consola. 

E o meu corpo, minh′alma e coração 
Tudo em risos poisei na tua mão!… 
…Ah, como é bom um pobre dar esmola!… 

Florbela Espanca, Reliquiae

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Errante

florbela espanca

Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.
Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura…
Meu coração não chega lá decerto…
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto…
Eu tecerei uns sonhos irreais…
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!

Florbela Espanca, A Mensageira das Violetas

Florbela Espanca

Florbela Espanca – Aos olhos deles

florbela espanca

Não acredito em nada. As minhas crenças
Voaram como voa a pomba mansa,
Pelo azul do ar. E assim fugiram o
As minhas doces crenças de criança.
Fiquei então sem fé; e a toda gente
Eu digo sempre, embora magoada:
Não acredito em Deus e a Virgem Santa
É uma ilusão apenas e mais nada!
Mas avisto os teus olhos, meu amor,
Duma luz suavíssima de dor…
E grito então ao ver esses dois céus:
Eu creio, sim, eu creio na Virgem Santa
Que criou esse brilho que m’encanta!
Eu creio, sim, creio, eu creio em Deus!

Florbela Espanca, A Mensageira das Violetas