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Henriqueta Lisboa

Henriqueta Lisboa

Henriqueta Lisboa – Infância

Henriqueta Lisboa

E volta sempre a infância
com suas íntimas, fundas amarguras.
Oh! por que não esquecer
as amarguras
e somente lembrar o que foi suave
ao nosso coração de seis anos?

A misteriosa infância
ficou naquele quarto em desordem,
nos soluços de nossa mãe
junto ao leito onde arqueja uma criança;

nos sobrecenhos de nosso pai
examinando o termomêtro: a febre subiu;
e no beijo de despedida à irmãzinha
à hora mais fria da madrugada.

A infância melancólica
ficou naqueles longos dias iguais,
a olhar o rio no quintal horas inteiras,
a ouvir o gemido dos bambus verde-negros
em luta sempre contra as ventanias!

A infância inquieta
ficou no medo da noite
quando a lamparina vacilava mortiça
e ao derredor tudo crescia escuro, escuro…

A menininha ríspida
nunca disse a ninguém que tinha medo,
porém Deus sabe como seu coração batia no escuro,
Deus sabe como seu coração ficou para sempre diante da vida
— batendo, batendo assombrado!

Henriqueta Lisboa, Prisioneiro da noite

Henriqueta Lisboa

Henriqueta Lisboa – Amargura

Henriqueta Lisboa

Eu chegarei depois de tudo,
mortas as horas derradeiras,
quando alvejar na treva o mudo
riso de escárnio das caveiras.

Eu chegarei a passo lento,
exausta da estranha jornada,
neste invicto pressentimento
de que tudo equivale a nada.

Um dia, um dia, chegam todos,
de olhos profundos e expectantes.
E sob a chuva dos apodos
há mais infelizes do que antes.

As luzes todas se apagaram,
voam negras aves em bando.
Tenho pena dos que chegaram
e a estas horas estão chorando…

Eu chegarei por certo um dia…
assim, tão desesperançada,
que mais acertado seria
ficar em meio à caminhada.

Henriqueta Lisboa, Obras completas: I – poesia geral 1929 -1983

Henriqueta Lisboa

Henriqueta Lisboa – Minha história romântica

Henriqueta Lisboa

No jardim do meu sonho, outr’ora, quando entrava
na vida, ao resplendor de um sol de cereja,
tive a promessa de uma flor que despontava,
na ilusão de quem vai possuir o que deseja.

E, ardente, do calor da minha alma que é lava
fulgida, à luz do olhar que nunca mais se veja,
tendo por humildade o pranto que eu chorava,
a flor se abriu, sorrindo, à sombra de uma igreja.

Uma tarde, porém, sinto que me envenena…
E na volúpia de augmentar a própria pena,
espedaço-a nas mãos! Ó Dor, que me confortas!

Hoje, a sós no jardim, às horas lardas, quedo,
vendo entre um gozo estranho e uma impressão de medo
boiarem na piscina umas pétalas mortas.

Henriqueta Lisboa, Fogo fátuo