Browsing Category

Jacques Prévert

Jacques Prévert

Jacques Prévert – Juquinha

Jacques Prévert

Diz não com a cabeça
diz sim com o coração
diz sim ao que ama
diz não ao professor
está de pé
sendo arguído
e todas as perguntas lhe são feitas
de repente morre de rir
e apaga tudo
os números e as palavras
as datas e os nomes
as frases e as armadilhas
e apesar das ameaças do professor
debaixo da vaia dos meninos prodígios
no quadro- negro da desgraça
com giz de todas as cores
desenha o rosto da felicidade.

Jacques Prévert, Poemas

Jacques Prévert

Jacques Prévert – O tempo perdido

Jacques Prévert

Diante do portão da fábrica
o operário de repente para
o dia lindo agarrou-o pelo paletó
e como ele se volta
e olha o sol
vermelhinho redondinho
sorrindo no céu de chumbo
pisca-lhe o olho
familiarmente
Pois é camarada Sol
você não acha
que é babaquice
dar um dia destes
para um patrão?

Jacques Prévert, Poemas

Jacques Prévert

Jacques Prévert – Dia de folga

Jacques Prévert

Pus o meu quepe na gaiola
e saí com o pássaro na cabeça
Como é que é
não se bate mais continência?
perguntou o comandante
Não
não se bate mais continência
respondeu o pássaro
Ah bom
queira me desculpar eu pensei que se batesse continência
disse o comandante
Está desculpado qualquer um pode se enganar
disse o pássaro.

Jacques Prévert, Dia de folga

Jacques Prévert

Jacques Prévert – Escola de Belas-Artes

Jacques Prévert

Numa caixa de palha trançada
O pai escolhe uma bolinha de papel
E a joga
Num pote d’água
Diante dos filhos intrigados
Surge então
Multicor
A grande flor japonesa
O nenúfar instantâneo
E as crianças emudecem
Maravilhadas
Depois disso nunca mais em sua lembrança
Essa flor há de murchar
Essa súbita flor
Feita para eles
Num piscar de olhos
Diante deles.

Jacques Prévert, Dia de Folga

Jacques Prévert

Jacques Prévert – Dever de casa

Jacques Prévert

Dois e dois quatro
quatro e quatro oito
oito e oito dezesseis
Repitam! diz o professor
Dois e dois quatro
quatro e quatro oito
oito e oito dezesseis
Mas eis o pássaro-lira
que passa pelo céu
o menino vê
o menino ouve
o menino chama
Venha me salvar
venha brincar comigo
seu pássaro!
Então o pássaro desce
e brinca com o menino
Dois e dois quatro…
Repitam! diz o professor
e o menino brinca
e o pássaro brinca com ele…
Quatro e quatro oito
oito e oito dezesseis
dezesseis e dezesseis fazem quanto?
Eles não fazem nada dezesseis e dezesseis
de todo modo
trinta e dois é que não fazem
e eles se vão.
E a criança escondeu o pássaro
em sua carteira
e todas as crianças
ouvem sua canção
e todas as crianças
ouvem essa música
e oito e oito por sua vez já se vão
e quatro e quatro e dois e dois
por sua vez se mandam dali
e um e um não fazem nem um nem dois
um a um se vão também.
E o pássaro-lira brinca
e o menino canta
e o professor grita:
Quer parar de bancar o engraçadinho!
Mas todas as crianças
ouvem a canção
e as paredes da sala
desabam tranquilamente.
E os vidros voltam a ser areia
a tinta volta a ser água
as carteiras voltam a ser árvores
o giz volta a ser falésia
as penas de escrever voltam a ser pássaro.

 

Jacques Prévert, Dia de folga

Jacques Prévert

Jacques Prévert – Canção para as crianças no inverno

Jacques Prévert

Na noite de inverno
galopa um branco homenzarrão
galopa um branco homenzarrão

É um boneco de neve
com um cachimbo vazio
grande boneco de neve
perseguido pelo frio

Ao chegar nessa cidade
ao chegar nessa cidade
avistou as suas luzes
suspirou aliviado

Numa casa pequenina
foi entrando sem bater
Numa casa pequenina
foi entrando sem bater

querendo aquecer-se um pouco
querendo aquecer-se um pouco
foi sentar no forno aceso
num minuto se desfez
só restou o seu cachimbo
no meio da poça d’água
só restou o seu cachimbo
e também seu chapéu velho…

 

Jacques Prévert, Dia de folga

Jacques Prévert

Jacques Prévert – Burro adormecido

Jacques Prévert

Eis um burro que dorme
Crianças, vejam como ele dorme
Não o acordem
Não lhe preguem peças
Ele é tão infeliz quando não está dormindo.
Não é todo dia que come.
Esquecem de lhe dar de beber.
E como batem no bicho.
Olhem bem
É mais belo que essas estátuas que lhes dizem para admirar e que os deixam entediados.
Está vivo, respira, confortavelmente instalado em seu sonho.
Os mais velhos dizem que a galinha sonha com o grão e o burro com a aveia.
Os mais velhos dizem isso para ter o que dizer, seria melhor que se ocupassem com seus próprios sonhos seus pequenos pesadelos pessoais.
Sobre a grama, ao lado da sua cabeça, há duas penas. Se ele as viu antes de adormecer talvez sonhe que é um pássaro e que voa.
Ou talvez sonhe com outra coisa qualquer.
Por exemplo: que está na escola das crianças, escondido no armário de cartolinas.
Há um menino que não sabe resolver um problema.
Então o professor lhe diz:
Você é um burro, Nicolau!
Que vergonha para o Nicolau.
Vai começar a chorar.
Mas o burro sai do esconderijo
Sem que o professor o veja.
E resolve o problema do menino.
O menino entrega o problema ao professor, e o professor diz:
Muito bem, Nicolau!
Então o burro e Nicolau riem baixinho às gargalhadas, mas o professor não os ouve.
E se o burro não sonha esse sonho
É porque sonha outras coisas.
Tudo o que sabemos é que sonha.
Todo mundo sonha.

 

Jacques Prévert, Dia de folga

Jacques Prévert

Jacques Prévert – Canção do passarinheiro

Jacques Prévert

O pássaro que voa suavemente
O pássaro quente e vermelho como o sangue
O pássaro tão terno o pássaro zombeteiro
O pássaro que de repente sente medo
O pássaro que de repente se choca
O pássaro que queria fugir
O pássaro solitário e enlouquecido
O pássaro que queria viver
O pássaro que queria cantar
O pássaro que queria gritar
O pássaro quente e vermelho como o sangue
O pássaro que voa suavemente
É teu coração linda criança
Teu coração que bate as asas tão tristemente
Contra teu peito tão duro e tão branco.

 

Jacques Prévert, Dia de folga

Jacques Prévert

Jacques Prévert – O gato e o pássaro

Jacques Prévert

Uma aldeia escuta desolada
O canto de um pássaro ferido
É o único pássaro da aldeia
E foi o único gato da aldeia
Que o devorou pela metade
O pássaro deixou de cantar
O gato deixou de ronronar
E de esfregar o focinho
E a aldeia preparou para o coitadinho
Um extraordinário funeral
O gato que também foi convidado
Seguiu atrás do pequeno caixão de palha
Onde o pássaro morto jazia
Carregado por uma menininha
Que não parava de chorar
Se eu soubesse que isso ia te fazer sofrer tanto
Disse-lhe o gato
Eu o teria comido inteirinho
E depois eu lhe diria
Que o vi partir voando
Voando até o fim do mundo
Lá longe onde é tão longe
Que de lá nunca se volta
Você sofreria bem menos
Ficaria tristinha e só lamentaria um pouco

Nunca devemos deixar as coisas pela metade.

 

Jacques Prévert, Dia de folga

Jacques Prévert

Jacques Prévert – Dia de festa

Jacques Prévert

Onde vai você meu menino com essas flores
Debaixo dessa chuva

Está chovendo está molhando
Hoje é o aniversário da rã
E a rã
É minha amiga

Ora menino
Bicho não faz aniversário
Ainda mais um batráquio
Decididamente se não o colocarmos nos eixos
Esse menino ainda vira um bom malandro
Por causa dele ainda vamos comer
O pão que o diabo amassou
Vive tendo essas ideias
E ninguém ralha com ele
Esse menino só faz o que lhe dá na telha
E nós queremos que faça o que dá na nossa
Oh meu pai!
Oh minha mãe!
Oh meu tio-avô Sebastião!

Não é com minha cabeça
Que ouço o coração bater
Hoje é sim o aniversário
Por que não podem entender?
Oh! não me puxem pelo ombro
Não me peguem pelo braço
Quantas vezes a rã me fez rir
E toda a noite ela canta para mim
Mas aí eles fecham a porta
Vêm falar-me suavemente
Eu grito que é dia de festa
Mas ninguém ali me entende.

 

Jacques Prévert, Dia de Folga

Jacques Prévert

Jacques Prévert – Para fazer o retrato de um pássaro

Jacques Prévert

Primeiro pintar uma gaiola
com a porta aberta
depois pintar
qualquer coisa de bonito
qualquer coisa de simples
qualquer coisa de belo
qualquer coisa de útil…
para o pássaro
depois pendurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem dar um pio
sem mover um dedo…
Às vezes o pássaro chega sem demora
mas pode também levar longos anos
até se decidir
Não se abater
esperar
esperar anos e anos se preciso
pois a rapidez ou a demora
do pássaro não têm nada a ver
com o sucesso do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
manter o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando entrar
fechar suavemente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tomando cuidado para não tocar sem querer nas penas do pássaro
Fazer depois o retrato da árvore
reservando o galho mais belo de todos
para o pássaro
pintar ainda a folhagem verde e o frescor do vento
a poeira do sol
e o rumor dos insetos na relva no calor do verão
depois é só esperar que o pássaro comece a cantar
Se o pássaro não cantar
é mau sinal
sinal de que o quadro é mau
mas se cantar bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
então você deve arrancar devagarinho
uma das penas do pássaro
e escrever seu nome num canto do quadro.

 

Jacques Prévert, Dia de Folga