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João Doederlein

João Doederlein

João Doederlein – E a história de nós dois

Ei,
vi que se mudou.
E que
o sofá tem lugar para dois.
A casa tem lugar para mim?
O coração eu sei que é mais do que se pensa.
Mas na sua vida cabe mais um?
Não preciso de cama de casal,
só um bom-dia despenteado e um abraço daqueles que curam qualquer mal.
Na mesa de jantar cabem os amigos
e no tapete sentam três.
Pela janela escapam nossos hinos antigos
que Caetano, Cartola e Chico
nos deram.
Na janela também vejo caber
os sonhos que eu trouxe na mala.
Não ocupam espaço,
mas precisam de ar.
O armário da parede é um tanto velho,
mas bom que seja assim.
Quero encostar ao lado dele
e ouvi-lo contar tudo o que já viu
só para mim.
Será que as paredes também falam?
E o que será que a porta vai me contar?
Quantas visitas por lá rodaram?
E quantas mais eles esperam ver entrar?
Casa quando cheira a poesia
faz do poeta
seu melhor morador.
Lava e cozinha,
mas senta encostada em qualquer rodapé
e faz poesia.
Se espirra,
escreve. Alergia a poeira passa,
poesia dentro da gente
sara.
Que casa bonita que você tem.
Quem adotou quem?
O coração eu sei bem
onde vai dormir.
No telhado com as memórias
e os desejos
e as estrelas.
Ouvindo o mar bater na praia
e o amor bater à porta de algum lugar.
Aí tem campainha?
Sou daqueles que bate três vezes
antes de tocar.

João Doederlein, O livro dos ressignificados

João Doederlein

João Doederlein – A mente

Menina, quem te viu?
Ora, eles te veem.
Menina, você já se viu assim?
Conta para mim,
me diz que sim.
Me diz que a vista do espelho é bonita
e que a maresia do seu cabelo
repousa bem.
Me diz que sente orgulho da cor do seu batom
e que é pelos seus olhos
que você,
e só você,
escolhe o tom.
Menina, me diz
que aí no Rio
faz frio.
E que o casaco quem usa
é você.
Menina, me diz que em São Paulo
falta amor.
Mas me diz que o coração que sente
por você
é o seu.
Menina, me diz aqui,
o que tem escrito nos seus olhos?
Já parou para perceber
que a gente tem vergonha
de se olhar por muito tempo?
Ou é incômodo?
É o medo de perceber que os olhos
com os quais tanto enxergamos
são de outras
pessoas?
Não tenha medo.
Menina, abre o olho
e enxerga o seu amor.
Que rosto bonito você tem.
Menina,
já olhou no fundo dos olhos de quem te chama
de “meu bem”?
Faz você, então.
Amar a si mesmo
é um puta remédio
para o coração.
Se olha no espelho
e diz que é você quem você
vê,
menina.

João Doederlein, O livro ressignificados

João Doederlein

João Doederlein – Astronauta (s.m. e s.f.)

é quem chega aonde quer. ou quem foge do
mundo rotineiro para se encontrar. é quem sabe
que somos viajantes de nós mesmos em órbita
das cidades em que vivemos e que, algumas
vezes, corações colidem uns com os outros.
é, às vezes, se sentir sozinho no mundo. é quando
percebemos que não somos o único planeta
buscando um lugar ao sol.

é quem, quando ouviu dizerem que o céu era
o limite, pisou na lua.

 

João Doederlein, O Livro dos Ressignificados

João Doederlein

João Doederlein – O Jardim

Ei, menina,
olha esse barulho de mar,
esse bom
cheiro no
ar.
É seu?
Bem, menina,
que bom te ter aqui.
Me conta dos seus medos,
que eu te falo dos meus.
Senta comigo,
menina,
me deixa te conhecer.
Você veste esse sorriso perfeito,
mas
para te gostar quero saber
da sua imperfeição.
Veste as suas
que eu visto as minhas
boas, às vezes tolas,
intenções.
Menina,
te acho
linda.
Seu nome parece moldura
para o quadro
que é você.
Com esse estilo todo
“cê sabe muito bem”
que a gente se entendeu com a vida
apesar do
vai
e
vem.
Larga esse cabelo seu
e
me conta da vida
“o que é que deu?”.
Quero saber sua história
além
da que você gosta de contar.
Quero o livro inteiro,
quero ler o título,
amar a capa,
ser pego pelas orelhas
e me apaixonar pela sinopse.
Quero ler as considerações finais.
Quero saber do rascunho que não entrou,
não só dos capítulos principais.
Poesia bem vivida
é a que se inicia
no meio da nossa vida
e só termina
quando a gente
qu
(então, vem).

João Doederlein, O Livro dos Ressignificados