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José Luis Peixoto

José Luis Peixoto

José Luís Peixoto – Autobiografia

José Luís Peixoto

Não é uma autobiografia.
Quando cito alguém, não me transformo
na pessoa que disse essas palavras
pela primeira vez. Todos os reflexos
distorcem, até o deste espelho,
sobretudo o deste espelho.
A minha história, contada por mim,
não é a minha história.

Mas é uma autobiografia.
O tempo e as tentativas de vivê-lo,
ou de narrá-lo, são irreversíveis.
Incrivelmente, dos 87 anos da tua vida,
há instantes que só eu recordo,
e, por isso, apesar de breves,
pertencem à minha vida. Além disso,
olhámo-nos nos olhos.

José Luís Peixoto, Regresso a casa

José Luis Peixoto

José Luís Peixoto – Quando a ternura for a única regra da manhã

José Luís Peixoto

um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o princípio de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade.


José Luís Peixoto, A Criança em Ruínas