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Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões – Bem sei, amor, que é certo o que receio

Luís Vaz de Camões

Bem sei, Amor, que é certo o que receio;
Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.

A mão tenho metida no meu seio,
E não vejo os meus danos às escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.

Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.

Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?

Luís Vaz de Camões, Sonetos

Luís Vaz de Camões

Luís de Camões – IV (Busque Amor novas artes, novo engenho)

Luís Vaz de Camões

Busque Amor novas artes, novo engenho
pera matar-me, e novas esquivanças,
que não pode tirar-me as esperanças;
que mal me tirarão o que eu não tenho.

Olhai de que asperezas me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes, nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que nalma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei donde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões, Melhores poemas

Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões – III (Amor, com a esperança já perdida)

Luís Vaz de Camões

Amor, com a esperança já perdida
o teu sagrado templo visitei;
por sinal do naufrágio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.

Que queres mais de mi, que destruída
me tens a glória toda que alcancei?
Não cures de forçar-me, que não sei
tornar a entrar onde não há saída.

Vês aqui a alma, a vida e a esperança,
despojos doces do meu bem passado,
emquanto quis aquela que eu adoro.

Neles podes tomar de mi vingança:
e, se ainda não estás de mi vingado,
contenta-te com as lágrimas que choro.

Luís Vaz de Camões, Melhores poemas Luís de Camões

Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões – Alma minha gentil, que te partiste

Luís Vaz de Camões

Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma coisa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou.

Luís Vaz de Camões, Livro dos sonetos

Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões – Amor mil vezes já me tem mostrado

Luís Vaz de Camões

Amor mil vezes já me tem mostrado
o ser-me vida o mesmo fogo ardente,
como quem queima um dedo e facilmente
no mesmo fogo o torna a ver curado.

Meu mal, tristeza, dor, pena e cuidado,
o bem, a vida alegre, ser contente
naquela vista pura e excelente
pôs, por essa maneira, o tempo e fado.

Que veja mil mudanças num momento,
que cresça nelas todas sempre a dor
não sei, que os meus castelos são de vento!

O tempo, que vos mostra ser senhor,
por mais que contra mi se mostre isento,
há de tornar por tempo tudo amor.

Luís Vaz de Camões, Sonetos e outros poemas

Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões – II (Alma minha gentil, que te partiste)

Luís Vaz de Camões

Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo deste corpo descontente,
repousa tu nos Céus eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória deste mundo se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

pede a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo dos meus olhos te levou.

 

Luís Vaz de Camões, Sonetos

Luís Vaz de Camões

Luís de Camões – I (Alegres campos, verdes arvoredos)

Luís Vaz de Camões

Alegres campos, verdes arvoredos,
claras e frias ágoas de cristal,
que em vós as debuxais ao natural
discorrendo da altura dos rochedos!

Silvestres montes, ásperos penedos,
compostos em concerto desigual!
Sabei que, sem licença do meu mal,
já não podeis fazer meus olhos ledos.

E pois já me não vedes como vistes,
nem me alegram verduras deleitosas,
nem as ágoas claras que das fontes vêm,

semearei em vós lembranças tristes,
regando-vos com lágrimas saudosas,
e nacerão saudades do meu bem.

 

Luís de Camões, Melhores poemas

Luís Vaz de Camões

Luis de Camões – Canção (I)

Luís Vaz de Camões

Fermosa e gentil Dama, quando vejo
a testa de ouro e neve, o lindo aspeito,
a boca graciosa, o riso honesto,
o colo de cristal, o branco peito,
de meu não quero mais que meu desejo,
nem mais de vós que ver tão lindo gesto.
Ali me manifesto
por vosso a Deus e ao mundo; ali me inflamo
nas lágrimas que choro,
e de mim, que vos amo,
em ver que soube amar-vos, me namoro;
e fico por mim só perdido, de arte
que hei ciúmes de mim por vossa parte.

Se porventura vivo descontente
por fraqueza d’esprito, padecendo
a doce pena que entender não sei,
fujo de mim e acolho-me, correndo,
à vossa vista; e fico tão contente
que zombo dos tormentos que passei.
De quem me queixarei
se vós me dais a vida deste jeito
nos males que padeço,
senão de meu sujeito,
que não cabe com bem de tanto preço?
Mas inda isso de mim cuidar não posso,
de estar muito soberbo com ser vosso.

Se, por algum acerto, Amor vos erra
por parte do desejo, cometendo
algum nefando e torpe desatino,
se ainda mais que ver, enfim, pretendo,
fraquezas são do corpo, que é de terra,
mas não do pensamento, que é divino.
Se tão alto imagino que de vista
me perco (peco nisto),
desculpa-me o que vejo;
que se, enfim, resisto
contra tão atrevido e vão desejo,
faço-me forte em vossa vista pura,
e armo-me de vossa fermosura.

Das delicadas sobrancelhas pretas
os arcos com que fere, Amor tomou,
e fez a linda corda dos cabelos;
e porque de vós tudo lhe quadrou,
dos raios desses olhos fez as setas
com que fere quem alça os seus, a vê-los.
Olhos que são tão belos
dão armas de vantagem ao Amor,
com que as almas destrui;
porém, se é grande a dor,
co a alteza do mal a restitui;
e as armas com que mata são de sorte
que ainda lhe ficais devendo a morte.

Lágrimas e suspiros, pensamentos,
quem deles se queixar, fermosa Dama,
mimoso está do mal que por vós sente.
Que maior bem deseja quem vos ama
que estar desabafando seus tormentos,
chorando, imaginando docomente?
Quem vive descontente,
não há-de dar alívio a seu desgosto,
porque se lhe agradeça;
mas com alegre rosto
sofra seus males, para que os mereça;
que quem do mal se queixa, que padece,
fá-lo porque esta glória não conhece.

De modo que, se cai o pensamento
em algüa fraqueza, de contente,
é porque este segredo não conheço;
assi que com razões, não tão somente
desculpo ao Amor do meu tormento,
mas ainda a culpa sua lhe agradeço.
Por esta fé mereço
a graça, que esses olhos acompanha,
o bem do doce riso;
mas, porém, não se ganha
cum paraíso outro paraíso.
E assi, de enleada, a esperança
se satisfaz co bem que não alcança.
Se com razões escuso meu remédio,
sabe, Canção, que porque não vejo,
engano com palavras o desejo.

Luis de Camões, Canções e Elegias

Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões – Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Luís Vaz de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, 
Muda-se o ser, muda-se a confiança: 
Todo o mundo é composto de mudança, 
Tomando sempre novas qualidades. 

Continuamente vemos novidades, 
Diferentes em tudo da esperança: 
Do mal ficam as mágoas na lembrança, 
E do bem (se algum houve) as saudades. 

O tempo cobre o chão de verde manto, 
Que já coberto foi de neve fria, 
E em mim converte em choro o doce canto. 

E afora este mudar-se cada dia, 
Outra mudança faz de mor espanto, 
Que não se muda já como soía. 

Luís Vaz de Camões, Sonetos 

Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões – Amor é um fogo que arde sem se ver

Luís Vaz de Camões

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís Vaz de Camões, Sonetos