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Lya Luft

Lya Luft

Lya Luft – Canção do recomeço

lya luft

A casa aonde voltei
depois de muitos anos,
boia como uma ilha de aguapés na noite,
presa por uma raiz doce e dolorosa
que me define.

Na madrugada caminho pelos quartos
como no fundo do mar
onde essa raiz se finca.
Pelas vidraças, o jardim são algas;
meus filhos dormem como quando
eram meninos,
e suas respirações, como sentimentos,
fundem-se neste bojo.

Este é o meu lugar
aonde voltei depois de tanto tempo,
como quem, misturando peças
dos enigmas mais arcaicos,
montasse laboriosamente o seu quebra-cabeça.

 

Lya Luft, Secreta mirada

Lya Luft

Lya Luft – Canção de um longo amor

lya luft

Tão sutilmente em tantos longos anos
foram se trocando sobre os muros
mais que desigualdades, semelhanças,
que aos poucos dois são um, sem que no entanto
deixem de ser plurais:
talvez as asas de um só anjo, inseparáveis.

Presença e solidão foram tecendo a vida:
o filho que se faz, uma árvore plantada,
o tempo gotejando do telhado,
o tédio que ronda e não se instala.
Vontade de partir e de ficar,
beleza reinventada a cada hora para não baixar
o pó do cotidiano desencanto.

Tão fielmente adaptam-se almas destes corpos,
que uma em outra pode se trocar,
sem que alguém de fora o percebesse nunca.

 

Lya Luft, Secreta mirada

Lya Luft

Lya Luft – Canção da mulher que escreve

lya luft

Não perguntem pelo meu poema:
nada sei do coração do pássaro
que a música inflama.

Não queiram entender minhas palavras:
não me dissequem, não segurem entre vidros
essas canções, essas asas, essa névoa.
Não queiram me prender como a um inseto
no alfinete da interpretação:
se não podem amar o meu poema, deixem
que seja somente um poema.

(Nem eu ouso erguê-lo entre meus dedos
e perturbar a sua liberdade.)

 

Lya Luft, Secreta mirada e outros poemas

Lya Luft

Lya Luft – Canção da voz em mim

lya luft

O poema abre suas câmaras de sombra:
é o tempo secreto,
vai brotar agora mesmo a palavra exata,
a chave da minha ideia,
a moldura de minha alma desencontrada.
Não sei a forma das palavras
nem o ritmo dos sons, mas o que tenho a dizer
quer nascer de mim e se retorce.

Sento-me diante do silêncio
como junto de meus mais belos sonhos:
meus pés, minhas mãos, os meus cabelos
estão enredados nessa teia.
Quero sair, escapar e esquecer.

Mas o poema insiste
com a mesma sedução da minha infância:
com formas, cores e rumores
da trama de viver e de morrer.

 

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