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Manuel Bandeira

Manuel Bandeira

Manuel Bandeira – Confissão

manuel bandeira

Se não a vejo e o espírito a afigura,
cresce este meu desejo de hora em hora…
Cuido dizer-lhe o amor que me tortura,
O amor que a exalta e a pede e a chama e a implora.

Cuido contar-lhe o mal, pedir-lhe a cura…
Abrir-lhe o incerto coração que chora,
mostrar-lhe o fundo intacto de ternura,
agora embravecida e mansa agora…

E é num arroubo em que a alma desfalece
de sonhá-la prendada e casta e clara,
que eu, em minha miséria, absorto a aguardo…

Mas ela chega, e toda me parece
tão acima de mim.., tão linda e rara…
Que hesito, balbucio e me acobardo.

Manuel Bandeira, Melhores Poemas

Manuel Bandeira

Manuel Bandeira – Canto de natal

manuel bandeira

O nosso menino
Nasceu em Belém.
Nasceu tão-somente
Para querer bem.

Nasceu sobre as palhas
O nosso menino.
Mas a mãe sabia
Que ele era divino.

Vem para sofrer
A morte na cruz,
O nosso menino.
Seu nome é Jesus.

Por nós ele aceita
O humano destino:
Louvemos a glória
De Jesus menino.

Manuel Bandeira, Antologia Poética 

Manuel Bandeira

Manuel Bandeira – A estrela da manhã

manuel bandeira

Eu queria a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda à parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noite
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com malandros
Pecai com sargentos
Pecai com fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás

Procurem por toda à parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.

Manuel Bandeira, A Estrela da Manhã

Manuel Bandeira

Manuel Bandeira – Desencanto

manuel bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira, A Cinza das Horas

Manuel Bandeira

Manuel Bandeira – Epígrafe

manuel bandeira

Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugiu como um furacão,

Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó –
Ah, que dor!

Magoado e só,
– Só! – meu coração ardeu:

Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria…
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.

– Esta pouca cinza fria…

Manuel Bandeira, A Cinza das Horas