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Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina dos Reis – A vida é sonho

Maria Firmina dos Reis

A vida é sonho, – que afanoso sonho!
Há nela gozos de mentido amor;
Porém aquilo que nossa alma almeja
É sonho amargo de aflitiva dor!

Fantasma mudo, que impassível foge,
Se mão ousada a estreitá-lo vai;
Sombra ilusória, fugitiva nuvem,
Folha mirrada, que do tronco cai…

Que vale ao triste sonhador poeta
A noite inteira se volver no leito,
Sonhando anelos – segredando um nome,
Que oculta a todos no abrasado peito?!!…

A vida é sonho, que se esvai na campa,
Sonho dorido, truculento fel,
Longa cadeia, que nos cinge a dor,
Vaso enganoso de absintos, e mel

Se é um segredo que su’alma encerra,
Se é um mistério – revelá-lo a quem?
Se é um desejo – quem fartá-lo pode?
Quem chora as mágoas, que o poeta tem?

Ah! se um segredo lhe devora a vida,
Bem como a flor, o requeimar do dia,
Ele se estorce no afanoso anseio;
Rasga-lhe o peito íntima agonia.

Então compulsa a melindrosa lira,
Seu pobre canto é desmaiada endeixa;
A lira segue merencória, e triste
Pálidos lábios murmurando queixa.

Mas, esse afã – esse querer insano,
Esse segredo, – esse mistério, enfim,
Não é a lira que compr’ende, e farta,
Que a lira geme, mas não sofre assim.

A vida é sonho, duvidar quem pode?
Sonho penoso, que se esvai nos céus!
Esse querer indefinido, e louco,
Só o compr’ende – só o farta – Deus.

Maria Firmina dos Reis, Antologia de poetas negros do período abolicionista no Brasil

Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina dos Reis – O proscrito

Maria Firmina dos Reis

Vou deixar meus pátrios lares,
Alheio clima habitar.
Ver outros céus, outros mares,
Noutros campos divagar;
Outras brisas, outros ares,
Longe do meu respirar…

Vou deixar-te, oh! Pátria minha,
Vou longe de ti – viver…
Oh! Essa ideia mesquinha,
Faz meu dorido sofrer;
Pálida, aflita rolinha
De mágoas a estremecer.

Deixar-te, pátria querida.
É deixar de respirar!
Pálida sombra, sentida
Serei – espectro a vagar:
Sem tino, sem ar, sem vida
Por esta terra além-mar.
Quem há de ouvir-me os gemidos
Que arranca profunda dor?
Quem há de meus ais transidos
De virulento amargor,
Escutar – tristes, sentidos,
Com mágoa, com dissabor?

Ninguém. Um rosto a sorrir-me
Não hei de aí encontrar!…
Quando a saudade afligir-me
Ninguém irá me consolar;
Quando a existência fugir-me,
Quem há de me prantear?

Quando sozinho estiver
Aí à noite a cismar
De minha terra, sequer
Não há de brisa passar,
Que agite todo o meu ser,
Com seu macio ondular…

Maria Firmina dos Reis, Antologia de poetas negros do período abolicionista no Brasil