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Mario Quintana

Mario Quintana

Mario Quintana – O poema apesar de tudo

mario quintana

Às vezes faço poemas de um equilíbrio instável…
Cai, cai, balão!
(As prateleiras da estante estão olhando de dentes
arreganhados, compridos dentes de todas as cores
festivamente arreganhados)
Ah, o trabalho do poeta! Nem queiras saber…
É muito pior do que armar meticulosamente um
castelo de cartas,
ou uma Torre Eiffel com pauzinhos de fósforos ante a
janela aberta
(lá fora sorri sadicamente o Anjo das Tempestades).
E pensar que ainda há gente por aí que acha tão fácil
o milagre da Ascensão…
Mas ele não caiu
O poema desta vez não caiu…
Olha! o poema chispa como um sputnik!
O poema é a lua na amplidão!

Mario Quintana, Bau de Espantos

Mario Quintana

Mario Quintana – Tempestade Noturno

mario quintana

Noite alta,
na soçobrante Nau exposta aos quatro ventos,
em pleno céu sulcado de relâmpagos,
os marinheiros mortos trovejam palavrões.

Ó velhos marinheiros meus avós…
Para eles ainda não terminou a espantosa Era dos 
Descobrimentos!
Santa Bárbara
e São Jerônimo,
transidos de divino amor,
escutam suas pragas como orações.

Quando eu acordar amanhã, livre e liberto como uma asa
vou rezar a São Jerônimo
vou rezar a Santa Bárbara
por este nosso fim de século pobre Nau perdida no
nevoeiro
que em vão busca o rumo
das eternas, das misteriosas Américas ainda por descobrir

Mario Quintana, Bau de Espantos

Mario Quintana

Mário Quintana – O pobre poema

mario quintana

Eu escrevi um poema horrível!
É claro que ele queria dizer alguma coisa…
Mas o quê?
Estaria engasgado?
Nas suas meias-palavras havia no entanto uma ternura
mansa como a que se vê nos olhos de uma criança
doente, uma precoce, incompreensível gravidade
de quem, sem ler os jornais,
soubesse dos sequestros
dos que morrem sem culpa
dos que se desviam porque todos os caminhos estão
[tomados…
Poema, menininho condenado,
bem se via que ele não era deste mundo
nem para este mundo…
Tomado, então, de um ódio insensato,
esse ódio que enlouquece os homens ante a
[insuportável
verdade, dilacerei-o em mil pedaços.
E respirei…
Também! quem mandou ter ele nascido no mundo
[errado?

Mário Quintana, Baú de Espantos

Mario Quintana

Mario Quintana – Era um lugar

mario quintana

Era um lugar em que Deus ainda acreditava na gente…
Verdade
que se ia à missa quase só para namorar
mas tão inocentemente
que não passava de um jeito, um tanto diferente, de rezar
enquanto, do púlpito, o padre clamava possesso contra pecados enormes.
Meu Deus. até o Diabo envergonhava-se.
Afinal de contas, não se estava em nenhuma Babilônia…
Era, tão só, uma cidade pequena,
com seus pequenos vícios e suas pequenas virtudes: um verdadeiro descanso para a milícia
dos Anjos com suas espadas de fogo.
– um amor!
Agora, aquela antiga cidadezinha está dormindo para sempre
em sua redoma azul, em um dos museus do Céu.

Mario Quintana, Baú de Espantos

Mario Quintana

Mario Quintana – Quinta coluna

carlos drummond de andrade

Te lembras dos tempos em que se falava na Quinta Coluna?
Felizes tempos aqueles porque eram tempos de guerra
E a gente pensava que tudo ia melhorar depois…
Mas quando?!
Apenas restou, entre nós a Quinta Coluna dos Poetas.
Sim! Nós é que somos os verdadeiros visitantes do Futuro
– não esses que os ingênuos autores de FC andaram
espalhando por aí…
E temos agora tantas, tantas coisas que denunciar
neste mundo louco…
– Mas a quem?!

Mario Quintana, Baú de Espantos