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Paul Valéry

Paul Valéry

Paul Valéry – A abelha

Paul Valéry

Quão fino e fatal se estenda
O teu ferrão, ó loira abelha,
Sobre minha tenra corbelha,
Só lancei um sonho de renda.

Teu seio pica a bela inerte,
Onde o Amor morre ou adormece,
Que o pouco de mim que enrubesce
Venha à carne curva e rebelde!

Preciso agora de um tormento:
Um mal vivo e bem terminado
Supre um suplício sonolento!

Então meu senso é iluminado
Pelo brilho deste ínfimo alerta
Sem ele o Amor morre ou aquieta!

, Paul Valéry, Feitiços [Charmes]

Paul Valéry

Paul Valéry – A adormecida

Paul Valéry

Que segredo incandesces no peito, minha amiga,
Alma por doce máscara aspirando a flor?
De que alimentos vãos teu cândido calor
Gera essa irradiação: mulher adormecida?

Sopro, sonhos, silêncio, invencível quebranto,
Tu triunfas, ó paz mais potente que um pranto,
Quando de um pleno sono a onda grave e estendida
Conspira sobre o seio de tal inimiga

Dorme, dourada soma: sombras e abandono.
De tais dons cumulou-se esse temível sono,
Corça languidamente longa além do laço,

Que embora a alma ausente, em luta nos desertos,
Tua forma ao ventre puro, que veste um fluido braço,
Vela, Tua forma vela, e meus olhos: abertos.

Paul Valéry, Charmes

Paul Valéry

Paul Valéry – Aquela que dorme

Paul Valéry

Quais segredos me queimam por dentro, minha amiga?
A alma qual doce máscara aspirando a flor?
De que vãos alimentos seu ingênuo calor
Faz com que brilhe uma mulher adormecida?

Sopro, sonhos, silêncio, invencível calmaria,
Tu triunfas, ó paz, mais potente que um choro,
Se a onda grave e a amplidão do pleno sono
Conspiram sobre o seio de tal inimiga.

Dorme, soma dourada de sombras e abandonos,
O teu grave repouso se enche de tais dons,
Corça lânguida e lassa, até um cacho se move,

Embora a alma se ausente em infernais projetos,
Puro ventre, tua forma, que um braço fluido envolve,
Vela; tua forma vela, e eu de olhos abertos.


Paul Valéry, Feitiços [Charmes]

Paul Valéry

Paul Valéry – Poesia

Paul Valéry

Tomada pelas surpresas,
Uma boca que bebia
Se separa de suas penas
No seio da Poesia:

— Ó minha mãe Inteligência,
De onde vinha o doce deleite,
Qual é dessa negligência
Que deixa secar seu leite!

Teu peito mal me continha,
Premido em branca união,
Me embalava a onda marinha
De teu lauto coração;

Apenas, em teu céu turvo,
Abatido em tua beleza,
Sentia, sombra que sorvo,
Me invadir uma clareza!

Deus perdido em seu intento,
E em seu deliciar-se,
Dócil ao conhecimento
Do supremo apaziguar-se.

Eu tocava a noite pura,
Não sabia mais morrer,
Pois um rio sem ruptura
Parecia percorrer-me…

Diz, por que crença vazia,
Por que sombra ressentida,
A veia que maravilha
Nos meus lábios foi rompida?

Ó rigor, ó signo insigne
Que à minha alma não apraz!
O silêncio, voo de cisne,
Entre nós não reina mais!

Dos meus tesouros me veda
A tua pálpebra eterna
E a carne que se fez pedra
Sob o meu corpo foi terna!

Por quais injustos atalhos
Dos céus vens e me desmamas?
O que serás sem meus lábios?
O que serei se não me amas?

Mas, suspendida, a Fonte
Sem dureza retrucou:
— Me mordeste assim tão forte
Que meu coração parou!


Paul Valéry, Feitiços [Charmes]