Navegando pela Categoria

Pier Paolo Pasolini

Pier Paolo Pasolini

Pier Paolo Pasolini – A falta de procura por poesia

pier paolo pasolini

Como um escravo doente, ou um bicho,
vagava por um mundo que me coubera em sorte,
com a lentidão própria dos monstros
da lama – ou da poeira – ou da selva –
arrastando o peito – ou as vãs barbatanas
na terra firme – ou asas feitas de membranas…
Em torno havia taludes, ou calçadas,
ou talvez estações abandonadas ao fundo
de necrópoles – com estradas e passagens subterrâneas
na noite alta, quando somente se ouvem
os trens assombrosamente distantes,
e marulhos de escolhos, no gelo definitivo,
na sombra que não tem futuro.
Assim, enquanto me erigia como um verme
mole, repugnante em sua ingenuidade,
algo se passou em minha alma – como
se num dia sereno o sol escurecesse;
sobre a dor do bicho atormentado
se sobrepôs outra dor, mais negra e mesquinha,
e o mundo dos sonhos se rompeu.
“Ninguém mais o procura por poesia!”
E: “Já passou seu tempo de poeta…”.
“Os anos cinquenta terminaram no mundo!”
“Está ficando velho com suas Cinzas de Gramsci,
e tudo o que foi vida lhe faz mal
como uma ferida que reabre e traz a morte!”

Pier Paolo Pasolini, Poesia de Pier Paolo Pasolini

Pier Paolo Pasolini

Pier Paolo Pasolini – À minha nação

pier paolo pasolini

Não povo árabe, não povo balcânico, não povo antigo,
mas nação vivente, mas nação europeia:
e o que és? Terra de infantes, famintos, corruptos,
governantes a soldo do latifúndio, prefeitos reacionários,
advogadinhos sebentos de brilhantina e pés imundos,
profissionais liberais canalhas como tios carolas,
um quartel, um seminário, uma praia livre, um bordel!
Milhões de pequenos burgueses como milhões de porcos
a pastar empurrando-se sob intactos palacetes,
entre casas coloniais já descascadas feito igrejas.
E justo porque exististe, agora não existes,
justo porque foste consciente, és inconsciente.
E só porque és católica, não podes pensar
que teu mal é todo o mal: culpa de todo mal.
Naufraga em teu mar maravilhoso, liberta o mundo.

Pier Paolo Pasolini, Poesia de Pier Paolo Pasolini

Pier Paolo Pasolini

Pier Paolo Pasolini – A um filho não nascido

pier paolo pasolini

No fundo daquela ponte branca e nova sobre o Tibre
terminada por católicos pra não contrariar os fascistas
entre frisos, coluninhas, falsos fragmentos, falsas ruínas,
um grupo de mulheres esperava os clientes ao sol.
Entre elas estava Franca, chegada de Viterbo,
uma menina ainda, e já mãe, que foi a mais esperta:
correu à porta de meu carro, aos gritos,
tão segura de si que não pude decepcioná-la;
entrou, se acomodou, alegre feito um moleque,
e me levou à Via Cássia; passamos um cruzamento,
corremos por uma estrada abandonada ao sol
entre minas de gesso e barracos tripolitanos
e chegamos ao local dela; era um campinho
sob uma elevação salpicada de musgos e grutas.
Um velho cavalo marrom, ao fundo, na relva úmida,
um automóvel vazio em meio aos arbustos e
não longe, aqui e ali, alegres ecos de disparos:
tudo ao redor lotado de casais, jovens e pobres.
Naqueles dias minha vida e meu trabalho eram plenos,
nenhum desequilíbrio, nenhum medo me ameaçava:
tinha seguido em frente por anos, antes por graça física
–brandura, saúde e entusiasmo que tive de nascença –,
depois por uma luz de pensamento, embora ainda incerto
–amor, força e consciência que conquistei vivendo.
No entanto, primeiro e único filho não nascido, não sinto dor
por você jamais poder estar aqui, neste mundo.

Pier Paolo Pasolini,Poesia

Pier Paolo Pasolini

Pier Paolo Pasolini – Ao príncipe

pier paolo pasolini

Se torna o sol, se o crepúsculo baixa,
se a noite tem gosto de noites futuras,
se uma tarde de chuva parece voltar
de tempos muito amados e jamais possuídos de todo,
eu não sou mais feliz, nem disso extraio prazer ou pena:
não sinto mais, diante de mim, toda a vida…
Para ser poeta é preciso ter tempo de sobra:
horas e horas de solidão são o único meio
de se formar algo, que é força, abandono,
vício, liberdade, de dar estilo ao caos.
Tempo hoje tenho pouco: por culpa da morte
que vem e avança, no ocaso da juventude.
Mas também por culpa de nosso mundo humano,
que aos pobres tira o pão, aos poetas, a paz.

 

Pier Paolo Pasolini, Poesia

Pier Paolo Pasolini

Pier Paolo Pasolini – A melhor juventude

pier paolo pasolini

Senhor, estamos sós,    já não nos chamas mais!

Não nos escutas mais    ano a ano, dia a dia!
Pra cá, nossos escuros    pra lá, só Tua luz,
não tens por nossos males    nem ira nem piedade.
Passaram trinta séculos,    nada, nada mudou,
todo o povo se uniu    se uniu para o combate,
mas nossas trevas são    trevas de todos nós
e apartar luz e treva    só Tu mesmo é que sabes!
Dias de lida! Dias mortos!    Já desponta a carroça
no rumo na estação    pela praça quieta
e se detém na frente    da escadaria nova,
chiando no cascalho    que o pobre sol escalda.
Portões estão fechados,    dois caminhões esperam
parados entre escombros,    entre secas acácias,
e uma velhinha empurra    o carrinho apertando
ansiosa uma ponta    do lenço com os dentes.
O rapaz com a gaita    salta fora tocando
e o outro, mais novinho,    chicote na cintura,
dá forragem ao cavalo    e então entra dançando
bem diante dos outros,    vaidosos no balcão.
Cantam um pouco bêbados    bem cedo de manhã
com seus lenços vermelhos    em volta da garganta,
pedindo com voz rouca    quatro litros de vinho
e café para as moças    que já choram caladas.
Venham, trens, e carreguem    esses jovens que cantam
com seus blusões ingleses    e camisetas brancas.
Venham, trens, e carreguem    pra longe a juventude
a buscar pelo mundo    o que aqui se perdeu.
Levem, trens, pelo mundo    a não rir nunca mais
estes jovens alegres    enxotados da aldeia.

 

Pier Paolo Pasolini, Poemas