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Paulo Henriques Britto – O fascínio do fácil

Paulo Henriques Britto

Quem se debruça no fosso
do que tão fundo se sente
que apenas roça o sentido

e mais das vezes só logra
sentir escapar entre os dedos
a carpa magra do ambíguo,

não há de olhar vez por outra
com olho grande e guloso
e orgulho ressentido

a safra grossa e fornida
de quem marisca sem medo
a verdade mais ridícula

no raso dos sentimentos
por não saber nesse mar
pescar em outro capítulo?

Paulo Henriques Britto, Mínima Lírica

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William Shakespeare – XLII

Que a tenhas não é todo o meu tormento,
E diga-se que a amei de amor profundo;
Mas ela ter-te é a mágoa que lamento,
Perda de amor que toca no mais fundo.
Mas vos perdoo, amáveis ofensores:
Amaste-a por saberes quanto a amo;
E ela me trai, te dando os seus favores,
Em nome deste amor que te proclamo.
Se te perder, ganho no amor depois;
Mas se a perder, o ganho é teu pois ficam
Um ao lado do outro e perco os dois:
Por minha causa ambos me crucificam.
Mas por sermos tu e eu um só, me inflama
Pensar que a mim somente é que ela ama.

William Shakespeare, 50 sonetos

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Vinicius de Moraes – A brusca poesia da mulher amada (II)

vinicius de moraes

A mulher amada carrega o cetro, o seu fastígio
É máximo. A mulher amada é aquela que aponta para a noite
E de cujo seio surge a aurora. A mulher amada
É quem traça a curva do horizonte e dá linha ao movimento dos astros.
Não há solidão sem que sobrevenha a mulher amada
Em seu acúmen. A mulher amada é o padrão índigo da cúpula
E o elemento verde antagônico. A mulher amada
É o tempo passado no tempo presente no tempo futuro
No sem tempo. A mulher amada é o navio submerso
É o tempo submerso, é a montanha imersa em líquen.
É o mar, é o mar, é o mar a mulher amada
E sua ausência. Longe, no fundo plácido da noite
Outra coisa não é senão o seio da mulher amada
Que ilumina a cegueira dos homens. Alta, tranquila e trágica
É essa que eu chamo pelo nome de mulher amada.
Nascitura. Nascitura da mulher amada
É a mulher amada. A mulher amada é a mulher amada é a mulher amada
É a mulher amada. Quem é que semeia o vento? — a mulher amada!
Quem colhe a tempestade? — a mulher amada!
Quem determina os meridianos? — a mulher
Amada! Quem a misteriosa portadora de si mesma?
A mulher amada. Talvegue, estrela, petardo
Nada a não ser a mulher amada necessariamente amada
Quando! E de outro não seja, pois é ela
A coluna e o gral, a fé e o símbolo, implícita
Na criação. Por isso, seja ela! A ela o canto e a oferenda
O gozo e o privilégio, a taça erguida e o sangue do poeta
Correndo pelas ruas e iluminando as perplexidades.
Eia, a mulher amada! Seja ela o princípio e o fim de todas as coisas.
Poder geral, completo, absoluto à mulher amada!

Vinicius de Moraes, A uma mulher – Poemas amorosos

Aleksandr Blok Sem categoria

Aleksandr Blok – Ravena

Tudo o que é instante, tudo o que é traço
Sepultaste nos séculos, Ravena.
Como uma criança, no regaço
Da eternidade estas, serena.

Sob os portais romanos os escravos
Já não trazem mosaicos pelas vias.
O ouro dos muros arde
Nas basílicas lívidas e frias.

Os arcos dos sarcófagos desfazem,
Sob o beijo do orvalho, as cicatrizes.
Nos mausoléus azinhavrados jazem
Os santos monjes e as imperatrizes.

Todo o sepulcro gela e cala,
Os muros mudos, desde o umbral,
Para não acordar o olhar de Gala, 
Negro, a queimar por entre a cal.

Das pegadas de sangue e dor e insídia
O rastro já se apaga e se descora,
Para que a voz gelada de Placídia
Não se recorde das paixões de outrora.

O longo mar retrocedeu, longínquo,
As rodas circundaram as ameias,
Para que os restos de Teodorico
Não sonhem com a vida em suas veias.

Onde eram vinhedos – ruínas.
Gente e casas – tudo é tumba.
Sobre o bronze as letras latinas
Troam nas lajes como trompa.

Apenas, no tranquilo e atento olhar
Das moças de Ravena, mudamente,
Às vezes uma sombra de pesar
Pelo irrecuperável mar ausente.

À noite, inclinado nas colinas,
Só, pondo os séculos à prova,
Dante – perfil aquilino –
Canta para mim da Vida Nova.

 

Aleksandr Blok, Poesia da recusa

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William Shakespeare – XXXIV

Por que me prometeste um belo dia
Fazendo-me viajar sem agasalho,
Se havia nuvens a encobrir a via
E a ocultar teu fulgor o céu grisalho?
Não basta, abrindo as nuvens, te condoas
Para secar de minha face a agrura,
Pois ninguém ao remédio tece loas
Que trata a chaga mas o mal não cura.
Teu remorso não sara o meu tormento,
Pois te arrependes, mas o mal se adensa.
O pesar do culpado é fraco unguento
Àquele que suporta a forte ofensa.
Mas se de amor as lágrimas desatam,
— Pérolas ricas — todo o mal resgatam.

William Shakespeare, 50 sonetos

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Pier Paolo Pasolini – O anjo impuro

pier paolo pasolini

Eis-me afinal em plena
suprema confidência
ante minha presença,
anjo impuro que eu amo.
Quanto estéril horror
urge se toco o corpo
que amava desde novo
pois seguro de amor.
Mas não sei me assombrar,
não sei me abandonar…
Ao Deus que não dá vida
peço pra não morrer.

 

Pier Paolo Pasolini, Poemas

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Leonardo Koury Martins – Poesia de amor

Eu vivo a tua procura,
querendo ás vezes um não
para que meu coração
ache outra qualquer desculpa.

Dizem;
a culpa é tua,
pois me deixas apaixonado
e eu;
calado.

Acredito que amor
não tem fim.

Amor tem parada,
tem tempo.

Mas não acaba,
eu me contento.

Procuro suas evidências
nas esquinas,
nos bares, nas outras mulheres,
na solidão.

Busco seus defeitos
e suas qualidades
que de tanta falta
que me fazes
fico na solidão.

 

Leonardo Koury Martins, O começo da história

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J.G. de Araújo Jorge – Aos meus leitores

Para você, amigo ou amiga,
que encontraram a minha poesia na rua,
pouca e pobre, e a adotaram,
e a recolheram ao coração…

Todo o meu reconhecimento
por essa louca e nobre ação.
Em nome da minha poesia
agradeço-lhes a pura alegria,
muito mais que alegria
Comunhão!

Que é Comunhão ou alegria
encontrar quem nos compreenda
quem nos estende a mão
quem partilhe conosco
pão e música na mesma canção.

 

J. G. de Araújo Jorge, Os mais belos poemas que o Amor inspirou

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Victor da Silva Pinheiro – Voar é sonhar

Para aprender a arte de voar
Tens que saber sonhar
E saber
Um pouco
Do talento
Que Deus lhe deu

Voar
Com V maiúsculo
E mergulhar
Como as aves de rapina
Em direção
As serpentes e roedores

Voar
Com a velocidade
E acuidade
De um predador
Ou como a mansa
Pomba branca
Ou voar
Com o canto dos canários
Os campeões
Quem nunca sonhou em voar?
Eu já voei sonhando

Voar
É como andar sobre as águas
Voar é criar
E para quem cria
Existe um mundo de possibilidades.

Victor da Silva Pinheiro, A Flor e o Beija-Flor