Browsing Category

Tarso de Melo

Tarso de Melo

Tarso de Melo – Caderno inquieto

Tarso de Melo

e já disseram que a cidade
é um livro, que a vida é um livro,

que escrevemos uma e outra
como podemos também lê-las

e já disseram que o mundo
é um livro (outros, um teatro),

o sentido de tudo está no livro,
viver é virar páginas, grifá-las,

tudo corre rio rumo a um livro,
a história é algo como uma estante

e que nossos passos escrevem
biografias e muitos quiseram saber

se já está escrito ou se escrevemos
o que haverá na página seguinte

debaixo de tudo que dizem, ardem
detrás das capas, sob a pilha viva,

o branco e as rasuras de um caderno
que é todos os livros porque é nenhum

Tarso de Melo, Poemas 1999-2014

Tarso de Melo

Tarso de Melo – Natural

O jogo está perdido, Doni, e não me venha dizer
que a morte é natural. Natural como a morte do cão
sob as ranhuras de um pirelli, natural como o corpo
que não levanta quando tudo na cidade grita, natural
como o corpo que não acorda mais e não permite dormir,
natural como a carne aderindo invisível dia após dia
às solas multicoloridas que pulverizam o estrago
que, insistentes, fazemos uns dos outros, uns aos outros.

Não há mais jogo, cara, não há mais partida. Voam
sobre nosso espanto o resto de uma conversa que
ninguém mais vai interromper e o vulto inquieto
de tudo o que não dissemos sob tudo que foi dito.
Sem asas, os pássaros sobreviventes vão andar
entre seus versos sem saber se já não é deles a pasta,
a graxa, a prancha em que tanto voo se transformou.

Deixe assim. Uma palavra a mais não dirá nada.

 

Tarso de Melo, Poemas 1999-2014