Era um lugar para morar. Eu vivia
Cercando você, fazendo a corte,
Impelido pela maré matinal e a embriaguez
Dos vinte e cinco anos. Eviscerada, refeita
À moda da época, a Alexandra House
Virou um dispensário. Isso foi antes
Do tempo da vanguarda dos cafés.
Na cantina barulhenta do British Restaurant,
Serviço público que sobrevivera à guerra,
O desjejum curava os estragos da noite.
Mas ia-se à Alexandra House para ser visto.
As funcionárias moravam no prédio
Com um séquito de vadios que navegavam as noites
E dormiam os dias. Dei um jeito de arranjar
Um colchão lá em cima, num sótão,
Com vista para a Petty Cury. Um colchão
Nu, sobre tábuas nuas, num quarto nu.
De meu, só um caderno e o tal colchão.
Sob a clarabóia – castanheiros carregados de botões
Até maio – tenho largado meu emprego, meu único
Trabalho era ganhar você, gastando tudo que eu juntara.
Livre da Universidade, eu regalava-me
Com suas liberdades. Todas as noites
Dormia no colchão, sob um cobertor,
Com uma moça linda, recém-fugida
Do marido para expor-se na fronteira
Do trabalho num dispensário. Que ideal cavalheiresco
Me prendia ali? Relembro esse tempo
Como um tempo que não passa nunca,
Que não usei, e que portanto ainda é meu.
Eu e ela dormimos abraçados,
Nus e à vontade como amantes, trinta noites,
E não fizemos amor nem uma vez.
Uma lei sagrada se inventara, para mim,
Mas também ela a obedecia, qual sacerdotisa,
Terna, carinhosa e nua em pêlo a meu lado.
Com o dedo percorria em minhas costas os lanhos
Que você nelas traçara, como se entrasse
Em minha obsessão, minha concentração,
Para manter intato meu propósito.
Nem uma vez me convidou, nem me tentou.
E nunca fui além de lhe estender
Confortos de irmã. Eu era como sua irmã.
A coisa parecia natural. Eu estava concentrado
Em você com tanta intensidade, tanto brilho,
Que não enxergava nada que não fosse você.
Ainda hoje me pergunto — não sei se devo
Me invejar ou ter pena de mim. A amiga dela
Tinha um quarto maior, e era mais ousada.
Fomos morar com ela. O quarto enorme
Virou dormitório e quartel-general,
Alternativa a St. Botolph’s. Gorducha e vistosa,
Rindo, expondo sem pudor o espaço entre os dentes,
Fez tudo que pôde para que eu a possuísse.
E você nunca há de saber o quanto lutei
Para manter minhas palavras coerentes
Com o mundo que construíamos a dois.
Eu temia que, perdida essa batalha,
Alguma coisa nos abandonasse. Eu levantava
Aquelas moças nuas, a sorrir para mim,
Moças de vinte e poucos anos, e as largava
Sobre a soleira de nosso futuro improvável
Tal como outrora, para proteger um novo lar,
Sob a soleira nova enterrava-se
Uma criança sem pecado.
Ted Hughes, Cartas de aniversário